‘Servo do Povo’: Série com Zelensky chega ao Brasil com clima tragicômico
Produção mostra professor de história eleito presidente da Ucrânia – trama que levou o ator ao posto de mandatário do país

Após ter sua aula interrompida, um professor de história explode diante de um colega que menosprezou sua matéria — para o outro educador, matemática era uma matéria mais importante para os alunos. Irritado, o professor usa o episódio para listar os problemas do país enraizados em sua complexa História, com agá maiúsculo, que os cidadãos teimam em esquecer. “É por isso que todo ano ficamos divididos entre dois candidatos igualmente ruins”, diz ele sobre as eleições presidenciais e a roubalheira a qual os eleitores já se acostumaram. Poderia ser o Brasil (e outros tantos países), mas a cena acima diz respeito à Ucrânia. O discurso gravado por um aluno e publicado no YouTube viraliza e o professor Vasiliy Petrovich Goloborodko acaba, meses depois, eleito presidente ucraniano.
As tiradas cômicas da série Servo do Povo, que acaba de chegar ao Brasil pelas plataformas HBO Max e Netflix, são ácidas, divertidas e até mesmo disparatadas. Sua relação com a realidade, contudo, a transforma em uma produção tragicômica e, por vezes, melancólica. Vasiliy é interpretado pelo ator e comediante Volodymyr Zelensky, hoje, de fato, presidente da Ucrânia. A série de três temporadas, exibidas entre 2015 e 2019 no país do leste europeu, mais um filme especial, fizeram de Zelensky uma personalidade política e, em seguida, o mandatário da nação. Agora, os vídeos com Zelensky passam longe de uma ficção inofensiva: em um bunker, o presidente faz pronunciamentos sobre a resistência ucraniana contra a invasão russa em seu território. Uma guerra de complicadas raízes históricas – como a série e seu professor protagonista aludem.

Enquanto se prepara para mais um dia de aula, Vasiliy tem sua casa tomada por seguranças e um secretário. Eles informam o professor de sua vitória nas eleições — uma surpresa, já que ele estava no pé das pesquisas. Quando começa seu primeiro dia de trabalho, todo o esquema político corrupto criticado por ele começa a dar as caras, desde uma sessão de fotos falsa para mostrar o presidente em ação entre o povo até um jeitinho nas dívidas do próprio, limadas pelo governo. Ingênuo, Vasiliy demora a perceber a rede na qual caiu – situações feitas para arrancar risos dos espectadores — enquanto ele mesmo vai abrindo concessões a parentes e amigos, no melhor estilo nepotista. As heranças do tempo sob o comando da União Soviética e a relação instável com o governo russo e com o restante da Europa são pinceladas no roteiro.
Em uma cena, o presidente atende o telefonema da chanceler alemã Angela Merkel, dando parabéns pela entrada do país na União Europeia. Vasiliy celebra em nome do povo ucraniano, ao que Angela responde: “Ucranianos? Me desculpe, errei. Estava ligando para Montenegro”. Em outra, numa sessão na câmara, ele se imagina sacando armas e atirando nos representantes da “velha política”. Ambas as bandeiras, da entrada na União Europeia e de renovar o cenário político, foram usadas por Zelensky na campanha da vida real.
Como ator, Zelensky diverte com suas caras e bocas. Mas é difícil olhar para as belas cenas pelas ruas de Kiev ou até mesmo para os muitos adolescentes que participam da série sem imaginar as imagens devastadoras dos dias de hoje, com destruição generalizada e imigrantes se acumulando nos países vizinhos.






