‘Rota 66’: série provocativa da Globo desenterra vítimas de PMs assassinos
Produção do Globoplay baseada no livro-reportagem escrito por Caco Barcellos relembra época sombria da força policial em São Paulo

Um fusca azul é perseguido em alta velocidade por policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e encurralado em uma rua de São Paulo. Depois, é alvejado com dezenas de tiros. Os três ocupantes do veículo morrem no local, mas são levados para um hospital com a justificativa de que seriam socorridos. Descobre-se, mais tarde, que os jovens tentavam furtar o toca-fitas de um carro estacionado em bairro nobre e que fugiram dos patrulheiros por medo – eram estudantes de classe média. O caso real atormentou a sociedade paulistana na década de 1970 e levou os agentes daquela ocorrência a julgamento, mas todos foram inocentados por um júri formado por outros policiais. A história é contada no livro-reportagem Rota 66, escrito e lançado pelo jornalista investigativo Caco Barcellos em 1992, e agora ganha uma versão dramatizada na série Rota 66: A Polícia que Mata, com quatro episódios — dos oito totais — já disponíveis no Globoplay.
Com o ator Humberto Carrão fazendo uma representação aprazível de Barcellos, a produção desenterra algumas das milhares de vítimas dos patrulheiros do esquadrão da morte, como ficou conhecida a Rota, uma tropa de elite da Polícia Militar criada especialmente no período da Ditadura Militar do Brasil (1965-1985) para combater guerrilhas e acusada de matar criminosos e também pessoas inocentes entre os anos 1970 e 1990. A série acompanha o jovem Caco Barcellos, um repórter gaúcho que se muda do Sul para São Paulo para trabalhar em uma revista na mesma época em que vários assassinatos e corpos vão se empilhando na capital paulista. O drama inegável das famílias das vítimas dessas ações policiais contribuem para tornar Rota 66 uma obra de fácil apelo ao espectador que ostenta um mínimo de empatia, enquanto gera a revolta pela injustiça e impunidade dos policiais — um retrato triste de abusos que acontecem até hoje no Brasil.

Segundo a apuração do jornalista, das 4 200 mortes causadas pela Rota entre 1970 e 1992, pelo menos 2 000 vítimas eram inocentes. A estatística ilustra o amargo legado de que trata a história – que presta homenagem aos mortos e reitera o poder transformador da atuação jornalística na apuração de casos assim. Sem deixar de fora, entretanto, uma crítica (ainda que leve) aos repórteres “urubus” que vão atrás de entrevistas até em velórios. Mais que entretenimento, a série lança um debate necessário sobre a brutalidade policial contra minorias e nas periferias.