Os planos ambiciosos da Apple TV revelados a VEJA por chefões do streaming
Eles celebram conquistas, comentam estratégias para vencer a disputa no streaming e falam sobre produzir no Brasil
Em 1985, quase dez anos após fundar a Apple, Steve Jobs (1955-2011) foi convidado a se retirar da própria empresa por desentendimentos com o conselho da companhia. No ano seguinte, fez uma aposta ousada: pagou 10 milhões de dólares por uma divisão de computação gráfica da Lucasfilm, de George Lucas, criador de Star Wars. A ideia de Jobs era expandir sua visão inventiva de negócio, aliando tecnologia e criatividade. Em 1997 ele voltou para a Apple, mas não abandonou o investimento paralelo. Dali nasceu nada menos que o estúdio de animação Pixar, casa de clássicos como Toy Story — que foi comprado em 2006 pela Disney pela bagatela de 7,4 bilhões de dólares. O forte senso de oportunidade do empresário deu origem à fagulha que viria a culminar na criação da Apple TV, plataforma de streaming da empresa lançada em 2019 — Jobs não pôde testemunhar a criação, mas ela carrega seu DNA visionário.
Responsável por levar adiante a ideia de Jobs, o americano Eddy Cue hoje atua como vice-presidente sênior de produtos, ala que supervisiona a plataforma — acima dele está apenas o chefão-mor, o CEO Tim Cook. O executivo recebeu recentemente a reportagem de VEJA em Los Angeles para uma entrevista exclusiva a um veículo brasileiro, ao lado de Jamie Erlicht e Zack Van Amburg, diretores de conteúdo audiovisual global da empresa, ou seja, os dois mandachuvas por trás de tudo o que é feito na Apple TV (que limou o sinal de “plus” recentemente).
Cue falou sobre a preocupação que o acompanha desde a época em que trabalhava ao lado de Jobs, a de não seguir a manada. Para sobreviver no mercado do audiovisual, a maioria produz em larga escala, muitas vezes unindo-se a outros players e produtoras, para somar conteúdo. Na contramão, a Apple TV optou pelo mote “menos é mais”. “Ao colocar o logotipo da Apple em algo, damos a ele um significado atrelado a nosso padrão de qualidade. Então decidimos que tudo que vai para a plataforma tem que ser criação nossa”, explicou Cue.
A decisão cobra seu preço — mas vem dando bons frutos. Este ano, a Apple viu seu prestígio alcançar novos patamares com as vitórias de O Estúdio e Ruptura no Emmy, além do sucesso nos cinemas de F1 — O Filme, que se tornou o longa-metragem esportivo de maior bilheteria da história, amealhando 629 milhões de dólares mundialmente. A companhia quer incrementar a aposta no que diz ser seu diferencial entre as concorrentes: conteúdo de alto custo e boa qualidade (leia o quadro). Para chegar a esse resultado, o céu é o limite em termos de investimentos. Caso de Vince Gilligan, criador da irretocável série Breaking Bad (2008-2013) e a mais recente contratação da Apple. Na sexta-feira 7, estreia na plataforma a nova trama assinada por ele, Pluribus, comédia dramática com toque distópico, sobre uma mulher triste, papel de Rhea Seehorn, em uma sociedade na qual todos são felizes.
A entrada de Gilligan no casting de talentos da empresa diz muito sobre os bastidores de qualquer grande negócio, pautado especialmente por relações de confiança. Em um passado não muito distante, Erlicht e Van Amburg trabalhavam na Sony Pictures Televison. Os dois foram responsáveis por enxergar potencial em obras ousadas como, vejam só, uma na qual um professor de química se torna traficante — sim, Breaking Bad, que já havia sido rejeitada por vários estúdios antes de receber a aprovação dos executivos. A dupla, que migrou para a Apple em 2017, foi essencial na chamada era de ouro da TV, que resultou em outras tramas aclamadas, como Justified e The Crown. Logo, os dois se tornaram uma espécie de selo de qualidade na indústria e o filtro que decide o que leva ou não o selo Apple de qualidade.
Na busca por acertar, claro, eles já erraram muito. O catálogo da plataforma conta com produções tão excitantes quanto um abajur creme, a exemplo das séries See e For All Mankind. Mas o olhar voltado para a inovação fez do estúdio também um lugar fértil para produções inesperadas, que surgiram após anos de investimentos bilionários.
O melhor exemplo é Ruptura, série de originalidade inquestionável que logo se tornou a mais vista da plataforma. Na trama, humanos têm o cérebro dividido entre trabalho e vida social, graças a um chip que controla as memórias. Cada episódio da trama custa 20 milhões de dólares aos bolsos da empresa, mas seu retorno vale a pena. “Quando olho para a frente, penso na terceira temporada de Ruptura, a segunda de O Estúdio, uma sequência de F1. Nós começamos do zero e tivemos que ter muitas primeiras vezes, agora vamos dar continuidade ao que deu certo”, afirma Cue sobre a fase atual do estúdio, com títulos estabilizados após diversas tentativas.
Hoje, o catálogo de obras próprias da empresa soma 300 produções entre filmes e séries — para comparação, a Netflix conta com 4 500 títulos originais só nos Estados Unidos, fora todo o catálogo internacional do qual o Brasil faz parte. Reside aí, aliás, uma pedra no sapato da Apple: a escassez de conteúdo estrangeiro, especialmente latino-americano. Com isso, a empresa fica muito atrás das concorrentes: Netflix, HBO Max e Disney, por exemplo, há tempos reconheceram a força das produções locais, que atraem novos assinantes e ainda abrem janelas entre países. Lançado recentemente pela Netflix, o filme Caramelo teve uma ótima audiência em noventa dos 190 países onde o canal atua.
A Apple, obviamente, vem se mexendo para tentar reduzir essa desvantagem. Esse investimento em produções locais é tratado internamente como uma questão estratégica e a empresa é cuidadosa em não antecipar qualquer novo capítulo, de forma a não dar munição à concorrência. “O Brasil é um berço de entretenimento de qualidade e de produtos criativos interessantes. Nós acreditamos que há talentos no país com quem podemos trabalhar. Mas ainda estamos procurando a história ideal”, explicou Erlicht. Parece ser mesmo uma questão de tempo. Segundo apurou a reportagem de VEJA, já existiram negociações da Apple com empresas nacionais, mas nenhum projeto foi adiante até agora.
Para emplacar uma boa parceria, talvez as produtoras brasileiras devam oferecer ao canal um título de ficção científica, gênero favorito da plataforma. O filão caro, que demanda a criação de mundos e muitos efeitos especiais, tem retorno incerto e costuma assombrar os grandes estúdios, que já viram orçamentos altíssimos irem pelo ralo com filmes e séries que deram errado. Considerada inadaptável, a obra Fundação, de Isaac Asimov, só conseguiu sair do papel graças à aposta da Apple, que produz atualmente sua quarta temporada. Em contrapartida, produções singelas de orçamentos modestos conquistaram assinantes, como a comédia Ted Lasso, que voltou das cinzas por demanda popular: finalizada na terceira temporada, a série terá uma nova leva de episódios em 2026.
Com 45 milhões de assinantes em 100 países e responsável por apenas 1% de tempo de tela nos Estados Unidos, a Apple TV está longe de dominar a guerra do streaming. Enquanto não ganha musculatura para bater de frente com a concorrência, a Apple investe no marketing de que é capaz de fazer a mesma coisa de uma forma muito mais criativa, trazendo para as produções de filmes e séries o mesmo espírito de inovação que catapultou o sucesso da empresa com o toque de midas de Steve Jobs. Na corrida cada vez mais acirrada pelo pódio do streaming, o estúdio quer mesmo é exibir o melhor e mais charmoso carro da pista — mesmo que ele siga na direção contrária dos demais.
Publicado em VEJA de 31 de outubro de 2025, edição nº 2968

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