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No filme ‘Tetris’, o jogo da guerra fria

Longa mostra como um engenheiro da burocrática União Soviética criou um dos videogames mais populares do mundo

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h05 - Publicado em 2 abr 2023, 08h00

O engenheiro da computação Alexey Pajitnov desenvolvia softwares na Academia de Ciências da hoje extinta União das Repúblicas Socialistas Sov­­­­­­­­­­­­­­­iéticas (URSS) nos anos 1980 — a derradeira década da Guerra Fria. Em seu tempo livre, o russo começou a criar um jogo de computador baseado em “pentaminós”, quebra-cabeças de cinco peças. Mas logo reinventou o formato tradicional: seu passatempo se valia de blocos de quadrados que rolavam pela tela e deveriam ser encaixados numa linha completa para se avançar na brincadeira. Junção de tetra (quatro, em grego) com tênis (esporte favorito de seu criador), o viciante Tetris nasceu atrás da cortina de ferro da Rússia e viraria alvo de uma disputa feroz entre companhias americanas, empresários europeus e burocratas comunistas. Passados quarenta anos, o projeto pessoal de Pajitnov é um dos jogos de computador mais lucrativos de todos os tempos: são 520 milhões de cópias vendidas globalmente, com receita estimada em 2,5 bilhões de dólares (12,5 bilhões de reais). A origem curiosa dessa mina de ouro é narrada em Tetris, filme já disponível na Apple TV+.

Tetris Game Console

Na produção, a guerra pelo Tetris é vista pela perspectiva do holandês Henk Rogers (Taron Egerton), empreendedor ávido para desbancar concorrentes poderosos e convencer a União Soviética, então inimiga ideológica número 1 dos EUA, a ceder os direitos de licenciamento do jogo à japonesa Nintendo, que procurava uma bala de prata para vender seu console portátil, o Game Boy. Ambicioso e atrevido, Henk não hesitou em viajar à rígida URSS com um mero visto de turista para tratar do negócio, e sua determinação cresceu ao conhecer Pajitnov (Nikita Efremov) — que não podia faturar um tostão por sua criação devido às regras draconianas do regime comunista, que monopolizava a importação e exportação de hardware e software e proibia o comércio independente do governo.

Tetris

BILIONÁRIOS - Egerton e Efremov no filme: união de amizade e negócios
BILIONÁRIOS - Egerton e Efremov no filme: união de amizade e negócios (Angus Pigott/Apple TV+/.)

Sangue, suor e pixels

A luta do holandês para que o russo faturasse com o Tetris converteu-se em amizade. “Eles eram duas almas gêmeas improváveis”, disse Taron Egerton em entrevista a VEJA. Não à toa, os reais Henk e Pajitnov são produtores-executivos da obra de ficção da Apple TV+. De modo conveniente, a série omite uma parte sombria desse sonho percursor do empreendedorismo digital: o codesenvolvedor do Tetris, Vladimir Pokhilko, assassinou a esposa e o filho a marteladas e depois tirou a própria vida em 1998, logo após ser escanteado pelo amigo Pajitnov na fundação da The Tetris Company — aberta com Henk. O crime ensejou a teoria conspiratória de que a máfia russa estaria envolvida na briga pelo jogo — ideia dissecada na minissérie documental The Tetris Murders, que estreia na HBO Max em 11 de abril, e para a qual os CEOs da empresa bilionária se recusaram a falar.

A realidade em jogo

Filmado na Escócia durante a pandemia, Tetris explora bem as agruras do socialismo. Pajitnov não imaginava que, numa Moscou que ainda tateava na tecnologia, seu joguinho seria compartilhado à exaustão por meio de disquetes piratas, chamando a atenção internacional e deflagrando a batalha épica pela licença. “Não quisemos pintar o capitalismo como bom, e sim mostrar outros lados desses dois sistemas de governo num mundo tão polarizado”, explicou o diretor Jon S. Baird a VEJA. Embora romantize a história, Tetris não deixa dúvidas sobre qual foi o lado vencedor do jogo.

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Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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