Entre gays e ateus, papa Francisco recebe jovens para papo espinhoso
Documentário ‘Amém: Perguntando ao Papa’ mostra uma curiosa roda de conversa na qual o pontífice tenta se aproximar da Geração Z
Em um galpão descolado em Roma, dez jovens de 20 e poucos anos aguardam uma visita ilustre: ninguém menos do que o papa Francisco segue ao encontro deles. Enquanto o pontífice de 86 anos deixa a opulência do Vaticano cercado por seguranças, o grupo de nacionalidades e religiões variadas é tomado por uma inquietação em comum: será que eles poderão tirar uma selfie com Francisco? O desejo frugal, mas típico da geração Z, é um sintoma do que está por vir. A reunião que conduz o documentário Amém: Perguntando ao Papa (Espanha, 2023), lançado pela plataforma Star+, terá momentos descontraídos saborosos, mas não deixará de passar por temas espinhosos — afinal, trata-se de uma juventude que não se acanha em falar o que pensa, seja no Twitter ou diante do líder da Igreja Católica.
“O senhor sabe o que é uma pessoa não binária?”, “Tem um celular?”, “Conhece o Tinder?” são algumas das questões levantadas na roda que provocam expressões impagáveis no rosto do pontífice. Em momentos mais emotivos, o papo toma rumos confessionais, como no relato de um rapaz abusado aos 11 anos por um sacerdote da Opus Dei — e que pede a ajuda direta de Francisco em sua busca por justiça. Ainda esquentam a conversa uma espanhola católica tradicional debatendo sobre aborto com uma argentina também católica, mas feminista; uma ex-freira peruana que se assumiu lésbica; e até um rapaz muçulmano da Nigéria que expõe as dificuldades de ser um imigrante africano na Europa.
Simpático e surpreendentemente antenado para um papa octogenário, Francisco ouve todos com paciência, em um exercício que atesta seu desejo de diminuir o largo abismo que só vem crescendo entre a fé católica e os jovens de hoje. “Francisco quer deixar a Igreja mais empática, mais humana e mais próxima da realidade que acontece fora dos templos”, disse a VEJA o jornalista espanhol e codiretor do documentário Jordi Évole.
A semente do filme surgiu em 2019, após uma entrevista do papa a Évole para o canal de TV espanhol laSexta. A conversa repercutiu pelo mundo ao trazer assuntos delicados à mesa, como aborto, direitos LGBTQIA+, abusos dentro da Igreja e a crise migratória na Europa. “Continuamos em contato com o papa e, no ano passado, lhe apresentamos a ideia do filme. Ele topou de cara”, conta Évole.
Segundo Marius Sánchez, também diretor do documentário, Francisco só fez uma exigência em relação aos jovens que seriam escolhidos: que falassem espanhol — língua materna do papa argentino. “Para nossa surpresa, ele não fez nenhuma objeção nem barrou qualquer assunto. Quando viu o filme, disse que gostou muito”, afirmou Sánchez a VEJA. O resultado, de fato, intriga e prende o público. Se Francisco já deixou claro seu trato acolhedor com a comunidade gay, a posição frontalmente contra o aborto se mantém intacta, por exemplo. “Por mais aberto que ele seja, não podemos esquecer que se trata de um padre católico”, ressalta Évole. O papa é pop, mas nem tanto.
Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836
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