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Diretores de ‘Os Quatro da Candelária’ explicam razão de reviver chacina

Minissérie da Netflix ilustra vida de algumas das vítimas da Chacina da Candelária, crime que chocou o Brasil em 1993

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 out 2024, 17h32 - Publicado em 29 out 2024, 13h34

Estreia na Netflix nesta quarta-feira, 30, Os Quatro da Candelária, minissérie que imagina a vida interrompida de quatro vítimas da chacina da Candelária, crime que abalou o Brasil em 1993, quando policiais militares atiraram contra mais de 40 jovens que dormiam na escadaria da Igreja da Candelária, no centro do Rio de Janeiro, matando seis crianças e dois jovens adultos.

Com liberdade criativa, o roteirista Luis Lomenha – que também divide a direção com Márcia Faria – buscou humanizar as crianças, retratadas apenas como estatísticas em reportagens e outras produções. Em entrevista a VEJA, a dupla de diretores explicou a necessidade de reviver o crime, entre outras decisões criativas. Confira:

Luis, como roteirista do projeto e homem negro, por que acha tão importante revisitar esse capítulo trágico da história brasileira?
Luis: Eu sempre digo que eu tinha mais ou menos a idade de alguns dos sobreviventes em 1993, então eu lembro bem do ocorrido, foi uma coisa que marcou bastante na memória, porque eu me identificava com eles. Naquela época eu vivia na periferia e acompanhava muito o caso, mas, em 2005, eu fui fazer um documentário com mulheres que perderam o filho para a violência policial, e dentre elas havia mulheres que tinham ligação com a chacina da Candelária. Eram vítimas ou irmãs e parentes que perderam seus entes queridos. Depois fiz uma série documental, que contava com alguns sobreviventes também. Enfim, o que me incomodava é que muitos dos conteúdos produzidos sobre a chacina eram muito factuais e repletas de julgamento, nada tinha o ponto de vista dessas crianças, sobre como era a vida delas. Meu objetivo era mudar isso, era humanizar aquelas crianças, devolver a infância a elas de certa forma.

Márcia, como foi o processo de trazer sua perspectiva a essa história que é distante da sua realidade?
Márcia: O Luis me convidou para fazer essa série e, quando eu li os roteiros, imediatamente soube que tinha que fazer parte desse projeto de alguma maneira, porque ele tem uma importância imensa. Estamos falando de uma tragédia carioca, de um assassinato brutal, e eu queria poder contribuir com isso. Acho que o meu ponto de vista como mulher seria útil também, poderia trazer um acolhimento em relação às crianças, aos atores mirins, para que pudéssemos construir laços no set, o que foi o que aconteceu.

A minissérie fez consultoria com alguns sobreviventes. Como foi esse trabalho exatamente?
Luis: A Patrícia Oliveira é irmã de um dos sobreviventes. Eu já tinha trabalhado com ela no documentário, nos tornamos próximos, e ela é uma das maiores ativistas de direitos humanos do Rio de Janeiro. Sempre mantivemos contato, então, ela contribuiu bastante para o projeto, assim como outras pessoas, que nos ajudaram no processo de mostrar a realidade desse caso.

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Os personagens da minissérie são baseados em vítimas reais, mas não existiram. Por quê?
Luiz: A realidade é muito mais dura do que a ficção. Tem muitos fatos reais ali, mas percebemos que a fantasia era importante. Inventamos bastante coisa dos imaginários de alguns deles. Há na minissérie, por exemplo, uma relação das crianças com os chocolates que é inventada. Porque o objetivo era devolver a humanidade e a infância a eles e mostrar a perspectiva dos sonhos que cada um tinha, porque é algo inerente a todo ser humano.

Márcia: E dar visibilidade, sair da estatística. Porque sabemos quantos morreram, quantos sobreviveram, mas queríamos mostrar que elas tinham sonhos, que foram interrompidos naquela noite. Também é importante mostrar que ali eram crianças antes de tudo.

Como lidar com a realidade atual, em que uma parcela da sociedade defende que outras chacinas da Candelária precisam acontecer?
Luis: A série se passa em 1993, mas tem muitos elementos que são atemporais ali, e isso serve para mostrar que de fato as coisas não melhoraram, elas pioraram. O número de mães no movimento do direitos humanos e de combate à violência aumentou de 1993 para cá. E naquela época, um tempo pós-Ditadura Militar, a sociedade estava muito sedenta por democracia, por transformação, o governo era progressista, tinha um secretário de polícia progressista, que buscaram uma resposta rápida. Mas, hoje em dia, a gente vê que passaram a desumanizar ainda mais as pessoas marginalizadas. É o que aconteceu com as novas chacinas, como a do Jacarezinho (em 2021, com 29 mortos) e de Santa Teresa (em 2019, com 13 mortos). São dois casos que foram maiores do que a Candelária, mais brutais, mas a sociedade relativizou. A gente coloca a bandeira da França no Cristo Redentor quando acontece um atentado na França, mas a gente não coloca a do Brasil quando acontecem casos assim aqui.

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