De Brooke Shields a Anna Nicole Smith, docs revisam vida de sex symbols
Pautadas pelo espírito do mundo pós-MeToo, produções se propõem a rever por novos ângulos (às vezes até mesmo heroicos) as celebridades femininas
Em 1992, a dançarina, ex-garota de programa e modelo americana Anna Nicole Smith tornou-se famosa da noite para o dia graças a um expediente infalível na época: posou nua para a capa da revista Playboy. Comunicativa e vivendo um casamento rumoroso com o bilionário J. Howard Marshall, 62 anos mais velho, a loira consagrou-se instantaneamente como uma “famosa por ser famosa”. Nos anos seguintes, entre espasmos de sucesso e decadência, ela se tornou figurinha onipresente nos tabloides — até o final, em 2007, quando morreu de overdose aos 39 anos, em meio à depressão e ao luto pela morte trágica de seu filho. Dezesseis anos depois, sua história retorna nos lábios de seus amigos e familiares, dispostos a debater a humanidade por trás da estrela cadente no documentário Anna Nicole Smith: Vocês Não Me Conhecem, já disponível na Netflix.
A notória ex-coelhinha vem engrossar um filão de sucesso atualmente no streaming: as produções documentais que, pautadas pelo espírito do mundo pós-MeToo, se propõem a rever por novos ângulos (às vezes até mesmo heroicos) a vida de celebridades femininas que ganharam fama graças à aura erotizada nos anos 1980 e 90. Disponível na plataforma Star+ desde abril, A História de Brooke Shields reconta a trajetória da atriz que se tornou sex symbol ainda pré-adolescente exibindo seu corpo no sucesso A Lagoa Azul (1980). Mais no início do ano, processo semelhante de resgate de imagem já se dera com a estreia de Pamela Anderson: uma História de Amor, da Netflix.
A série sobre Pamela resume o que move tais produções. Trata-se de uma resposta direta à série ficcional Pam & Tommy, lançada pelo Star+ no ano passado e que recontava com humor afiado o escândalo da sex tape que, nos anos 90, expôs a atriz transando com o namorado, o roqueiro Tommy Lee — episódio de efeito demolidor sobre sua carreira. A produção autorizada da Netflix traz Pamela desabafando sobre o preço que pagou por tudo, mostra sua origem simples e a vida hoje, convertida em certo símbolo feminista — o que até faz sentido, pois a grande prejudicada pela sex tape foi ela, não os homens da história.
No caso do documentário sobre Brooke Shields, revela-se a principal matéria desse tipo de produção: reexaminar sob os critérios de hoje o tratamento a que essas celebridades eram submetidas por produtores e pela mídia — não raro, abusivo. Aos 14 anos, Brooke teve de encarar a nudez em cenas do blockbuster juvenil A Lagoa Azul. “Quando o #MeToo veio à tona, eu não sabia dizer se era vítima”, disse a atriz no talk show da colega Drew Barrymore, com olhos marejados, ao divulgar o documentário.
Agora, é a vez de a superexposta Anna Nicole ser vingada. Entre as revelações, destacam-se o histórico de violência doméstica sofrido, assim como a dor que enfrentou ao perder seu primogênito, Daniel. O diferencial da produção é que suas partes mais obscuras não são poupadas. “Se digo algo muito ruim, ganho cinquenta vezes mais dinheiro, que é meu propósito de vida”, teria dito ao explicar a razão de mentir sobre abusos ocorridos em sua infância. Por trás da coelhinha, havia um modelo da complexidade humana.
Publicado em VEJA de 24 de maio de 2023, edição nº 2842
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