Com ‘In the Heights’, Lin-Manuel Miranda leva DNA latino aos musicais
Na versão para a tela de seu espetáculo na Broadway, o filho de porto-riquenhos se confirma como um interessante (e caliente) sopro de vida no gênero
Em uma pequena parte do bairro de Washington Heights, em Nova York, bandeiras de Porto Rico, México, Cuba, Brasil e muitas outras são alçadas com energia por moradores que cantam a plenos pulmões e se jogam em coreografias vibrantes. A falta de momentos como esse em Hollywood — que não sejam uma mera encarnação de estereótipos — foi o que motivou um jovem Lin-Manuel Miranda a criar, em 1999, durante seu segundo ano de faculdade, o musical In the Heights. “Eu não via tantos papéis para nós, latinos. Então, comecei a escrever o meu próprio show dos sonhos.”
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Novos tempos, em suma, exigem um novo tipo de talento: se o inglês Andrew Lloyd Webber (aliás, barão Lloyd-Webber) dominou a Broadway nova-iorquina e o West End londrino dos anos 1970 aos 2000 com musicais dramáticos como Jesus Cristo Superstar, Evita e Cats, esta última década tem sido a de Miranda, de 41 anos, por excelência um criador que se inspira nas pessoas, cores e movimentos que surgem das ruas. Adaptado por Miranda e dirigido pelo também multicultural Jon M. Chu (do sucesso Podres de Ricos), com elenco que faz jus à composição demográfica de seu cenário, Em um Bairro de Nova York (In the Heights, Estados Unidos, 2021), já em cartaz no país, reproduz — e amplia — na tela aquilo que se viu no palco: a vida e os sonhos de pessoas simples de Washington Heights. “Sem vilões, drogas ou crime. É só uma história contada por latinos com muito amor pela sua cultura”, disse a VEJA Miranda, ele próprio nascido no bairro (leia mais na pág. 84).
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O jovem de origem porto-riquenha adentrou o universo dos musicais com o pé direito. In the Heights ganhou o Tony — o Oscar do teatro — em 2008, e o Grammy no ano seguinte. Foi em uma pausa para descanso nesse período, porém, que ele tropeçou naquela que, sete anos depois, se revelaria a pedra de toque de sua carreira: durante as férias, ao ler a biografia de Alexander Hamilton — um dos fundadores da nação americana — publicada nos Estados Unidos em 2004 pelo historiador e escritor Ron Chernow, Miranda começou a gestar um projeto que tomaria a Broadway de assalto pelo brio e pela inovação, e rapidamente ganharia a dimensão de fenômeno cultural.
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Órfão ilegítimo nascido em uma colônia britânica no Caribe, sem meios nem conexões, o autodidata Alexander Hamilton (1757-1804) ascendeu no movimento revolucionário que culminaria na Guerra de Independência. Ajudou a redigir a Constituição e foi braço direito e secretário do Tesouro do primeiro presidente americano, George Washington — mas terminou no segundo plano da história. Em Hamilton, o musical, a trajetória dele é contada em 46 canções (Lin-Manuel Miranda realmente acredita que musicais se fazem com música, em quantidade que alguns diriam ser exorbitante) que incorporam desde a tradição da Broadway até batalhas de rap. Acima de tudo, porém, em Hamilton os escravocratas e aristocratas da época têm suas histórias desapropriadas de si mesmos para serem contadas por pessoas negras e latinas, que compõem a maioria do elenco. Segundo estimativas da Forbes, o espetáculo já arrecadou mais de 1 bilhão de dólares em receita global, além de ter ganhado onze prêmios Tony e um Pulitzer.
Filho de um ex-conselheiro político e de uma psicóloga, ambos de origem porto-riquenha (vale lembrar que Porto Rico tem o status de território americano), Lin-Manuel Miranda tem levado para os musicais um engajamento que só muito esporadicamente se via no gênero. As correntes de migração vindas da América Central e do México são uma das questões mais controversas e acaloradas do debate político e social americano, mas, ao deslocar o foco desse campo para o da cultura, da música e dos costumes — para a trama de que é feito o tecido de uma metrópole como Nova York ou de um país como os Estados Unidos, enfim —, Miranda avança sobre essas barreiras por um outro flanco, mais imediato e permeável: o da convivência. Simples como cantar e dançar.
Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743
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