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CNN Brasil é condenada por danos morais e racismo contra jornalista

Renan de Souza venceu em segunda instância contra canal em ação com relato de discriminação de chefe durante edição de reportagem sobre George Floyd

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 set 2024, 14h36 - Publicado em 11 set 2024, 12h34

A CNN Brasil foi condenada em segunda instância pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região a indenizar o jornalista e ex-funcionário do canal Renan de Souza em 50 000 reais em um processo trabalhista que incluía danos morais e denúncias de racismo. De acordo com documentos obtidos por VEJA, Souza entrou com a ação relatando ter sofrido preconceito de seu então chefe, Asdrúbal Figueiró, durante a cobertura do assassinato do americano George Floyd em 2020. Segundo os autos, Figueiró e Souza não estavam se entendendo sobre o teor da reportagem sobre o caso na ilha de edição, até que o superior declarou: “Você está dizendo isso porque é preto, está querendo defender preto, e você não entende nada de racismo”. Procurados por VEJA, a CNN Brasil emitiu uma nota em que alega repudiar “qualquer ato que remeta a racismo ou qualquer outro tipo de discriminação” e Asdrúbal Figueiró negou ter feito o comentário de cunho racista.

Contratado como editor de conteúdo, Renan de Souza trabalhou na CNN de janeiro de 2020 até junho de 2022. No processo trabalhista aberto em março de 2023, o jornalista exigia equiparação salarial com colegas como Lourival Sant’Anna, já que também atuava como analista internacional, além de requerer pagamento por horas extras excessivas. O processo também acusava a CNN de racismo estrutural por posturas de superiores. Em seu depoimento, Souza informou que durante a edição de uma reportagem sobre George Floyd, homem negro que foi sufocado até a morte por um policial branco nos Estados Unidos em 2020, ele teria entrado em uma discordância com Asdrúbal Figueiró, quando o mesmo exigiu que cortasse a menção ao fato de que Floyd era negro e diminuísse a imagem do vídeo que mostrava a ação policial que resultou na morte da vítima.

“Quanto a mesmos fatos, o autor relatou em seu depoimento pessoal: ‘que sofreu crime de racismo em 05/2020 quando estava envolvido na matéria do caso do George Floyd e no momento em que estava sendo feita a edição da noticia, diante dos cortes efetuados, o depoente mencionou que não deveriam ser feitos pois passariam uma imagem incorreta do ocorrido e na ocasião, o coordenador internacional, Asdrúbal, se dirigiu ao depoente dizendo: ‘você está dizendo isso porque é preto, está querendo defender preto, e você não entende nada de racismo’; que na ocasião ficou sem palavras, chorou e chorou  saindo da sala; que dentro da sala do ocorrido estavam apenas o depoente, Asdrúbal, e o editor João Prado'”, cita o processo.

Após o caso, Renan enviou um e-mail para o vice-presidente de conteúdo da CNN Brasil à época, Américo Martins, registrando sua indignação, mas o executivo não teria feito nada em relação ao assunto. Atualmente, Martins é correspondente internacional do canal, baseado em Londres.

O jornalista perdeu o processo na primeira instância, mas recorreu, vencendo na segunda instância, por dois votos a um. No recurso, o desembargador Paulo José Ribeiro Mota reconheceu o dano moral por assédio e racismo: “O reclamante recorre do indeferimento do pedido de indenização por danos morais. Alega que foram comprovadas as atitudes ilícitas da ré, considerando as situações de assédio e de racismo. Em sua narrativa fática, o reclamante descreveu haver diferenciação de salário, bem assim, da alocação das matérias e atividades, em razão da sua cor. Apontou atitude racista em episódio envolvendo seu superior, enquanto trabalhava na matéria sobre a morte de George Floyd, nos EUA. Relatou perseguições no ambiente de trabalho pelo Sr. Asdrúbal Figueiró e Sr. Fabiano Fausi. Pois bem. O dano moral, como se sabe, vincula-se a fatos capazes de provocar o sentimento de “capitis diminutio”, sofrimento, constrangimento, vergonha e outros que venham a agredir a psique da personalidade. Para a caracterização do dano moral incumbe à parte provar o fato ou ato injusto causador de dano que extrapole ao dissabor do simples aborrecimento”, diz um trecho da decisão.

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“Com exceção das alegações envolvendo à matéria sobre George Floyd, corrobora-se os fundamentos adotados na sentença, que analisou de forma pormenorizada cada acusação, concluindo pela inexistência de atos a ensejar qualquer reparação de cunho moral. Já em relação ao ocorrido durante os trabalhos para noticiar a morte de George Floyd, o autor relatou na exordial que sofreu severas críticas do gerente de conteúdo Asdrúbal Figueiró, na ilha de edição, que disse que a matéria estaria “enviesada” porque o reclamante era “negro”.

“Tendo sido confirmada a agressão verbal e de índole discriminatória, passível a condenação da ré pelo ocorrido. Evidente o conteúdo racista da sua fala e o tom depreciativo. Cumprindo o reclamante com o ônus de provar ato ou fato ilícito causador de dano, nos termos do art. 818 CLT e art. 373, I, do Código de Processo Civil, sua pretensão merece acolhimento. No tocante ao montante a ser arbitrado, a indenização deve ser suficiente para amenizar o dano cometido, sem importar em motivo de enriquecimento sem causa, de um lado, servindo ao outro de punição pedagógica, para que não persista com sua prática, sem que inviabilize a sua existência. Deve também haver proporcionalidade com a gravidade do dano e o grau de culpabilidade. Considerados esses parâmetros, tem-se por adequado o montante de R$ 50.000,00, que se mostra adequado e consentâneo com a realidade das partes”, concluiu.

A VEJA, o advogado de Renan de Souza no caso, Carlos Daniel Gomes Toni, celebrou a vitória: “É a primeira vez que a CNN Brasil foi condenada por racismo. Ela já tem um histórico de relações estranhas com assuntos de igualdade racial. A CNN deu muito destaque para a contratação do jornalista William Waack, que tem um histórico de racismo no jornalismo da Globo, por isso saiu de lá. Já teve caso de denúncia de racismo na CNN em Brasília, outro funcionário, o Fernando Henrique de Oliveira, foi impedido de entrar no ar com seu cabelo black power. Então, até que enfim a Justiça reconheceu e condenou a CNN por racismo”. 

Confira a nota de posicionamento da CNN Brasil na íntegra: 

“A CNN Brasil repudia veementemente qualquer ato que remeta a racismo ou qualquer outro tipo de discriminação. A CNN Brasil normalmente não comenta decisões ainda passíveis de recurso, como esta. No entanto, a empresa esclarece que a decisão de segunda instância confirmou todos os elementos improcedentes da sentença de primeira instância, exceto um. O Tribunal, de forma unânime, confirmou que não houve discriminação nem racismo estrutural e, em decisão não unânime, concedeu ao ex-colaborador uma indenização por danos morais em razão de um único episódio de desentendimento com outro ex-colaborador, que não faz parte do quadro da empresa há quase dois anos.”. 

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Procurado pela reportagem, Asdrúbal declarou, em nota, nunca ter sido chamado para depor e negou ter proferido a frase destacada no processo.

Veja a declaração completa de Asdrúbal Figueiró:

“Não fui citado nem ouvido no processo trabalhista contra meu ex-empregador. Não usei nenhuma das frases atribuídas a mim, nem nunca usei nenhuma expressão com conotação racial em discussões de trabalho. No episódio em questão, meu argumento era que, sim e obviamente, deveríamos usar a imagem do policial ajoelhado no pescoço de George Floyd na reportagem, mas que ela não deveria ficar muito tempo ininterruptamente no ar. É uma imagem angustiante, de uma pessoa sofrendo, agonizando. Em nenhum momento pedi que o editor não destacasse o componente racial da violência policial na história, ao contrário. A reportagem foi um dos destaques dos jornais da CNN Brasil naquela noite, e eu fui um dos coordenadores da extensiva cobertura que a CNN Brasil fez do caso e dos protestos que se seguiram, enviando repórteres a várias cidades dos EUA onde as manifestações ocorreram e entrando com a programação pela madrugada”. 

Após a publicação da reportagem, Asdrúbal procurou VEJA para completar a nota com dados da decisão em primeira instância do mesmo processo:

“O juiz de primeira instância que tomou o depoimento presencial da testemunha (na segunda instância, os juízes só têm acesso à ata do depoimento, não ao depoimento em si) desconsiderou as alegações e afirmou no processo que “ao longo das declarações, o testigo [testemunha] manifestou falta de isenção de ânimo e evidente interesse em favorecer o autor [do processo]”. Também disse que “a testemunha (…) não conseguiu persuadir o Juízo, tendo prestado depoimento tendencioso, incorrendo em contradições” e que, em outra passagem, relatou que “o referido gerente não gritou nem xingou o reclamante nem se dirigiu a ele [reclamante] com termos pejorativos”. Em um email enviado por Renan à diretoria [do canal], dias depois do episódio, ele admite que toda a discussão editorial se deu em torno do conteúdo e não menciona nenhuma fala discriminatória, de tom pessoal ou fora do tom esperado numa relação profissional. Ao contrário, admite que ele elevou a voz, chegando a assustar o editor de imagem. Mas nem por isso relata que eu tenha levantado a voz de volta. A alegação de cunho racial só surgiria três anos depois, curiosamente, no âmbito de um processo trabalhista em que o reclamante pedia uma indenização de R$ 1,6 milhão ao seu ex-empregador”. 

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