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Caprichoso x Garantido: o que está por trás do Festival de Parintins

Especial: disputa entre os bois Caprichoso (azul) e Garantido (vermelho) aquece a economia local com evento cultural popular no Norte

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 jun 2024, 19h50 - Publicado em 26 jun 2024, 15h00

Em uma arena chamada de bumbódromo, no centro de Parintins, cidade do interior do Amazonas localizada a a 369 quilômetros de Manaus, dois bois “se enfrentam” na frente de uma plateia de 25.000 pessoas, sendo elas divididas entre dois lados: um vermelho, do Boi Garantido, enquanto a ala azul torce pelo Boi Caprichoso. O Festival de Parintins é a maior celebração amazonense da tradição do boi-bumbá. Com dançarinos fantasiados como os bois, cunhã-porangas, música, dança, rituais, entre outros elementos característicos, a competição é a segunda maior fonte de renda da região — atrás somente da criação de gado.

Com investimento milionário do Governo do Amazonas e do Ministério do Turismo, o Festival de Parintins é considerado patrimônio cultural brasileiro desde 2018, mas o evento existe oficialmente desde a década de 1960. O público do festival em 2023 foi composto majoritariamente pelos amazonenses (82,04%), sendo e o restante do Pará (9,69%, São Paulo (1,67%) e Rio de Janeiro 1,53%). Com isso, foi gerada uma receita de 146 milhões de reais a Parintins.

Na edição de 2024, que acontece no próximo final de semana (entre 28 e 30 de junho), o município espera receber 120.000 turistas (10.000 a mais do que no ano passado) e o lucro de pelo menos 150 milhões de reais à economia local. A desistência da Globo de exibir o evento após não ter chegado a um acordo com a TV A Crítica, detentora dos direitos sobre o evento, abalou rapidamente a alta expectativa, entretanto, o festival já é uma tradição consolidada há muitos anos.

VEJA apurou que o estado do Amazonas injetou 8 milhões de reais de investimento em 2024, além dos patrocínios privados ao evento, que chegam a 15 milhões de reais. Somente a Coca-Cola repassou 2,5 milhões de reais, valor partilhado entre o Caprichoso e o Garantido. Já o Ministério do Turismo destinou 10 milhões de reais para o Festival de Parintins neste ano.

De acordo com Renato Mesquita Rodolfo, professor de história do Senac São Paulo, em conversa com a reportagem, o Festival de Parintins surgiu com a disputa de quadrilhas na década de 1960, mas há registros de festas com a presença de figuras próximas ao boi-bumbá da segunda metade do século XVIII, de acordo com pesquisas de Rui Carvalho e Mário Ypiranga Monteiro, além de relatos de viagens do médico alemão, Robert Christian Avé-Lallemant, datado de 1859, enquanto viajava pela região amazônica.

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“Ele fez descrições sobre festas com características que se assemelham com os festejos de bumba-meu-boi e boi-bumbá. Outro elemento que se insere nessa mistura é a migração nordestina que aconteceu em diferentes períodos para a região amazônica, um primeiro fluxo na década de 1870, em decorrência de longo período de seca no Nordeste, outros fluxos nas décadas seguintes, atraídos (ou levados) pela chamada ‘febre da borracha'”, explicou Rodolfo.

Já a fundação das agremiações Garantido e Caprichoso se deu no começo do século XX, na década de 1910, época em que ainda não havia a tradição do uso das cores azul e vermelho. “Em 1965 foi decidida a criação de um festival de quadrilhas com a finalidade de arrecadar fundos para a construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no ano seguinte, os grupos de boi-bumbá passaram a integrar o festival. Com o passar dos anos a disputa foi se acirrando e restando apenas o Garantido e o Caprichoso na disputa anual que acontece sempre na última sexta-feira de junho e vai até domingo”, completa o professor de história.

Parte do espetáculo do Boi Caprichoso no Festival de Parintins
Parte do espetáculo do Boi Caprichoso no Festival de Parintins (Aguilar Abrecassis/Divulgação)

Boi Caprichoso

Em entrevista a VEJA, o presidente do Boi Caprichoso e artista plástico, Rossy Amoedo, 47, falou da responsabilidade em buscar o a terceira vitória seguida da agremiação, sua história com o boi preto e da importância do evento para a economia local. “Tudo que a gente fazemos e planejamos é com muito amor por tudo aquilo que que o boi representa nas nossas vidas. Tem um certo peso buscar o tricampeonato, mas vai ganhar o boi que vai cometer menos erros. E nós temos um grupo de pessoas muito bom para produzir os espetáculos”, dissse.

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Como chegou ao Boi Caprichoso?  Na verdade, a minha história começa no missionário da igreja católica chamado Irmão Miguel de Pasquale. Lá tinha um grupo de jovens que ensinava crianças e adolescentes a pintar, esculpir, desenhar, e eu participei desse grupo durante alguns anos e de lá apareceu uma oportunidade, enquanto a criança ainda, de entrar num galpão do Caprichoso, quando eu tinha 13 anos de idade. E de lá para cá nunca mais parei. Aprendi técnicas de pintura, de artesanato, a como fazer esculturas de isopor, a como pintar ferragens, fui trabalhar em várias escolas de samba do Carnaval do Rio de Janeiro, na cerimônia de abertura da Rio2016 [Jogos Olímpicos], e depois voltei para Parintins para trabalhar no Caprichoso. 

Se sente pressionado em buscar a terceira vitória seguida do Caprichoso em seu primeiro mandato? É uma grata responsabilidade. Hoje conseguimos dar uma condição melhor para os artistas poderem produzir os espetáculos. Então as ideias foram potencializadas. A minha vida artística me levou a virar um empresário, a ter um olhar mais administrativo, então eu trago isso para a minha gestão. A nossa prioridade é manter compromisso principalmente com a folha de pagamento, porque a gente entende que o boi representa 50% da economia do município. São 140 000 pessoas que dependem economicamente dessa bandeira cultural. 

Quantos empregos o boi gera em Parintins? Gera em torno de 1 500 empregos diretos que Caprichoso na temporada entre abril e julho.

Como o Caprichoso evoluiu ao longo dos anos? O Caprichoso é muito ousado, e a sua evolução foi natural conforme o tempo passou. A gente incentiva os artistas que trabalham no boi a que busquem novas referências, se atualizem e se inspirem sempre. É aquela máxima de que nada se cria, tudo se transforma.

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Rossy Amoedo, presidente do Boi Caprichoso
Rossy Amoedo, presidente do Boi Caprichoso (Michel Amazonas/Divulgação)
Parte do espetáculo do Boi Garantido no Festival de Parintins
Parte do espetáculo do Boi Garantido no Festival de Parintins (Aguilar Abrecassis/Divulgação)

Boi Garantido

Também em conversa com VEJA, Fred Góes, 75, presidente do Boi Garantido, analisa o fenômeno cultural do Festival de Parintins como o último grande evento de massa lançado no Brasil. “É uma grande obra popular criada e desenvolvida aqui no Norte e Nordeste. Um tempo atrás, os bois quase desapareceram porque a comunidade foi perdendo o interesse, mas foi com a criação da rivalidade entre os bois que o evento voltou a ganhar relevância, com apresentações dessa ‘disputa'”, explicou.

Como é a sua história com o Garantido? Eu trabalhei com música nos anos 80, participei de vários shows em São Paulo, e aí acabei trazendo toda essa experiência para Parintins, onde acabei me envolvendo com o Boi.

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Quais são as dificuldades de criar os desfiles para a batalha? São três noites e cada boi tem que criar três musicais, são grandes espetáculos, envolve muita coisa: roteiro, música, teatro. E não tem tempo pra improviso. A cidade tem 140 000 habitantes, e durante o festival esse número quase dobra. Tem muita gente para impressionar.

O presidente do Boi Garantido, Fred Goes
O presidente do Boi Garantido, Fred Goes (Reprodução/Instagram)

Como é o Festival de Parintins

Dividido entre três dias, os bois se apresentam em cada uma das noites, apresentando seu desfile composto por muita música, show de fogos de artifício, um apresentador, um cantor dos hinos que contam as histórias do Caprichoso e do Garantido, além de outros personagens, como a cunhã-poranga, a  sinhazinha da fazenda, o porta-estandarte, o levantador de toadas, o amo do boi, a marujada, o pajé, o caboclo de lança, os guardiões do boi, a porta-bandeira, além, é claro, das torcidas organizadas.

Além do que acontece dentro da arena, o festival também é celebrado fora do bumbódromo, com programação para visitantes com outros shows e apresentações, com as dos cantores Belo e Thiaguinho. Há ainda um festival gastronômico no local.

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A disputa entre as torcidas é tão forte, com o uso constante das cores dos bois, que até mesmo marcas se curvam à soberania do azul e vermelho. Em Parintins, a lata de Coca-Cola e o banco Bradesco trocam seu tradicional vermelho pelo azul, a fim apenas de agradar também os torcedores do Caprichoso. “O Festival de Parintins e as demais festas que acontecem ao longo do ano no município e na região – todas têm alguma relação com o boi – provocam uma intensa circulação de pessoas, culturas, saberes e capitais. Ou seja, estamos falando de riquezas no plural. A economia da região, a criação de empregos diretos e indiretos, a relevância cultural, entre outros fatores, orbitam de alguma forma e em algum nível o festival. Consequentemente, tanto o Garantido quanto o Caprichoso refletem todas essas riquezas”, conclui o professor Renato Mesquita Rodolfo.

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