As primeiras provas de fogo das herdeiras de Silvio Santos no SBT
Quatro meses após a morte do patrão, elas tocam o império televisivo sob o escrutínio do público e do mercado
Nos tradicionais brindes que distribuirá a parceiros comerciais no final de 2024, o SBT apostou em dois itens infalíveis — e divertidos. Há um bonequinho “oficial” de Silvio Santos para enfeitar a estante. E também um relógio de pulso em que a voz do apresentador e fundador da emissora anuncia as horas. Essa memorabilia é uma homenagem terna e previsível à lenda da TV que saiu de cena em 17 de agosto passado, aos 93 anos. Mas também expõe uma verdade de alcance maior: Silvio deixou um legado muito pessoal e inconfundível, e esse é, afinal, o grande tesouro do SBT. Quatro meses após sua morte, ainda é cedo para dar um veredicto sobre a gestão de suas herdeiras à frente desse patrimônio tão nostálgico e familiar aos brasileiros. Mas já há sinais concretos, positivos ou nem tanto, capazes de revelar as semelhanças e diferenças de estilo das sucessoras em relação ao pai.
Antes mesmo da partida de Silvio, a transição de poder no SBT e em suas demais empresas estava bem delineada. Apesar de sua relutância com o termo “sucessão”, ele próprio designou funções para as herdeiras ao longo dos últimos anos, enquanto se afastava cada vez mais das atividades. Daniela Abravanel Beyruti assumiu, assim, a posição de principal executiva à frente do SBT; a desinibida Patricia encarou a missão de substituir o Homem do Baú em seus programas aos domingos; mais recentemente, Rebeca achou seu cantinho na tela como titular do Roda a Roda; Renata, a caçula, hoje responde pela presidência do conselho do Grupo Silvio Santos; entre as filhas da união anterior do apresentador, a artista plástica Cintia apenas participa como integrante do conselho das empresas, e Silvia estrela o infantil Sábado Animado; por fim, a viúva, Iris, continua coordenando as novelinhas da emissora. As sete se reúnem periodicamente no conselho familiar que determina os rumos do império televisivo — qualquer decisão só é tomada se for unanimidade entre elas.
Alguns resultados dessa passagem de bastão já se faziam notar com Silvio em vida — e ganharam impulso desde sua morte. O aspecto mais perceptível disso é o modo soltinho como Patricia vem se consolidando no posto de apresentadora número 1 do SBT. Com carisma obviamente vindo de berço, ela repete os passos paternos e, como tal, quase já se dirige sozinha nas gravações. Patricia somou êxitos nas últimas semanas — liderando o recém-ressuscitado Show do Milhão, voltou a alcançar a façanha de Silvio de tomar a liderança no ibope da Globo por alguns minutos na noite de domingo.
Nos bastidores, porém, quem concentra maior poder e responde pelas decisões estratégicas é mesmo sua irmã Daniela. A filha número 3 assumiu oficialmente o cargo de CEO do SBT no mês passado, mas sua trajetória no grupo é antiga: foi diretora-executiva de 2008 a 2010, e líder da área artística até 2015, quando decidiu “dar uma pausa” para se dedicar aos filhos. No ano passado, Daniela retornou de vez à emissora para implementar uma reestruturação do SBT como um todo. A emissora nega esse valor, mas fontes do mercado ouvidas por VEJA garantem que foram injetados 100 milhões de reais em programas novos, com o objetivo principal de reconquistar a vice-liderança de ibope na Grande São Paulo, perdida para a Record em 2020. A média de audiência do SBT hoje é de menos de 3 pontos, contra 5 da empresa de Edir Macedo. “Nós paralisamos o entretenimento naquela época por causa da pandemia e isso nos custou caro na audiência”, explica o diretor de operações Fernando Justus Fischer, braço-direito de Daniela. “TV é formação de hábito. Em 2024, fizemos uma mudança de grade corajosa”, completou o executivo.
O tamanho do desafio de Daniela e suas irmãs não é pequeno. Para além da mera briga por ibope, o SBT luta para modernizar a estrutura familiar de jeitão “caseiro” criada por Silvio e melhorar suas finanças. Semanas atrás, a emissora foi sacudida por uma nova onda de demissão, totalizando 132 empregos cortados até agora em 2024. Medidas amargas são muitas vezes inevitáveis — e necessárias — na administração de grandes empresas. Mas é em outros detalhes que se enxergam as marcas de seus dirigentes.
Entre as apostas da nova gestão está a parceria com influenciadores digitais como embaixadores do SBT na internet, além da contratação e utilização de alguns deles no ar — o exemplo mais notório é o de Virginia Fonseca, que ostenta mais de 50 milhões de seguidores no Instagram e tem obtido bons índices com o Sabadou com Virginia. No jornalismo, área em que Silvio sempre investiu de forma errática, as dificuldades são maiores. Uma das tacadas de Daniela foi levar para o horário nobre o veterano Cesar Filho, que se tornou interlocutor influente na casa. Um pepino nas mãos da filha-gestora é o Tá na Hora, telejornal policialesco que perde no ibope para a Record e às vezes até para a Band no começo da noite. Mas o SBT julga que achou uma bala de prata para resolver o problema: acabou de contratar José Luiz Datena, recém-saído da Band, para comandar o horário já a partir da segunda-feira 9. Sua ida, após um desempenho frustrante na eleição paulistana, é uma prova de que Daniela aprendeu um truque valioso com o pai: o melhor momento para comprar passes de famosos na TV é na baixa.
As comparações com o modo de administrar de Silvio, aliás, falam por si. Assim como ele criava e tirava atrações da grade por impulso, recentemente a nova direção extinguiu o jornal SBT News da programação das madrugadas para, uma semana depois, recriá-lo. Ao menos na área de esportes, contudo, as herdeiras ainda não exibiram outro traço de Silvio: o faro aguçado. Internamente, considera-se um deslize tolo ter perdido a chance de comprar parte dos direitos do Brasileirão, que acabaram abocanhados pela Record — o SBT manteve a Copa Sul-Americana e a Champions League europeia como prêmios de consolação. Dentro da emissora, as herdeiras promoveram uma inovação que nem Silvio imaginaria: a oferta de cursos de “inteligência emocional” com o coach evangélico Paulo Vieira aos funcionários, o que incomodou alguns deles.
Conduzir um legado complexo num momento de grandes mudanças tecnológicas e de comportamento não seria fácil nem mesmo para o fenomenal Silvio Santos — e no mundo da TV há quem acredite que as Abravanel no futuro talvez aceitem dividir essa responsabilidade. O diretor J.B. Oliveira, o Boninho, que está de saída da Globo, recentemente foi almoçar no SBT com Julio Casares, presidente do São Paulo Futebol Clube, para tratar de uma parceria para a produção de um novo programa no ano que vem. Fontes do mercado sustentam que essa parceria pode evoluir para uma proposta de sociedade ou até de compra do SBT. Mas nada indica que a família embarcará nessa. Por enquanto, o esforço das herdeiras é atualizar a emissora e fortalecer o +SBT, serviço de streaming gratuito que traz programação atual e seu vasto acervo. Para 2025, a emissora prepara novos programas, incluindo um reality show. “A gente vai honrar o legado do Silvio Santos, mas isso não quer dizer que vamos parar no tempo. Vamos trazer novos conteúdos que atendam às necessidades da audiência”, diz Vicente Varela, da superintendência de Negócios e Comercialização. Na ausência do pai, o desafio agora é das patroas.
Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2024, edição nº 2922