Aos 87, Reginaldo Faria analisa cena marcante de Vale Tudo: “Tive receio”
Ator de 87 anos interpretou vilão na novela originalmente exibida em 1988

Intérprete do vilão Marco Aurélio na Vale Tudo original, de 1988, Reginaldo Faria tem refletido sobre o marco do personagem que hoje é vivido por Alexandre Nero no remake no ar na Globo. Em entrevista a VEJA, o veterano de 87 anos falou sobre a emblemática cena da banana no final do folhetim escrito por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.
Confira a entrevista na íntegra:
O senhor interpretou Marco Aurélio na primeira versão de Vale Tudo (1988). Tem acompanhado o remake na Globo? Eu vi algumas cenas, mas não vi tudo. Não fiquei prestando atenção nisso porque acho que quando a gente faz um trabalho, o produto que você fez, e o resultado que você atingiu ficam dentro de você, é particular, é subjetivo. Então, quando vejo outra coisa sendo feita, como um remake, eu respeito, mas não quero fazer nenhuma avaliação, não quero ficar vendo. Essa nova versão é outro trabalho, tem bons atores, mas não quero ficar vendo. A minha arte já foi feita.
O seu personagem era um grande símbolo da corrupção no Brasil daquela época. Acha que o país mudou? São parâmetros difíceis de encarar, até porque o último governo [de Bolsonaro] foi um governo em que se desprezou muito a cultura. Nossa cultura foi alijada, o cara quase botou numa fogueira. A época em que fizemos a primeira Vale Tudo também foi um período crítico, uma inflação absurda. O que tínhamos de inspiração era o retrato da sociedade através da economia, da dificuldade de se viver naquela época. O Marco Aurélio tinha elementos da minha própria vivência.
Como assim? Obviamente eu não era mau-caráter, corrupto e vilão como ele, mas era fácil ver o público identificar que era um retrato de empresários que simbolizavam o poder. Acho que a nova novela pode se inspirar no último governo, que fez a cabeça das pessoas através das fake news, instigando um povo que ainda desconhece como funciona a Lei Rouanet, que não tem nada a ver com dinheiro público, é uma lei de incentivos que usa dinheiro privado. A realidade daquela época era outra, hoje é outra. Então, eu não sei qual será o resultado.

Por que acha que a banana que o Marco Aurélio dá no final de Vale Tudo ficou tão marcante na memória do público? Esse gesto é muito emblemático, né? E é engraçado porque, quando eu gravei aquela cena, fiquei com medo da reação do público. Tive receio de como as pessoas iam olhar para mim, de sentirem raiva. Mas foi o contrário, as pessoas aplaudiram, porque queriam dar uma banana para o governo daquela época. Um governo que afundou a nação. Será que a banana era para a nação ou para quem a dirigia? Acho interessante essa reflexão. O texto do Gilberto Braga era mágico, de uma sensibilidade extraordinária.
Qual o segredo para manter a mente afiada aos 87 anos? Eu tive um problema no coração em 2004. Precisei fazer uma angioplastia, colocaram um stent no meu coração e eu quase morri. Meu filho chegou a falar para a mãe dele que eu estava morrendo. Fui parar na UTI, fiquei em coma por 30 dias, mas me recuperei. Saí de lá com sequelas, tive que reaprender a falar, a tocar violão, fazer fisioterapia, entrei em depressão, fui para o psiquiatra, que me encheu de remédios. Mas aí comecei a escrever, a criar, e eram coisas que me tiravam a dor de viver, porque se eu parasse, tudo voltava. O que me salva e me mantém afiado é escrever. Eu tenho até uma biografia pronta. Espero um dia poder publicá-la.
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