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Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming

Ana Lúcia Torre a VEJA: “Aos 80, estou me permitindo muitas coisas novas”

Atriz estrela monólogo 'Olhos nos Olhos' no Teatro Santos Augusta em São Paulo

Por Kelly Miyashiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 6 out 2025, 09h00

No próximo sábado, 11 de outubro, a atriz Ana Lúcia Torre sobe ao palco do Teatro Santos Augusta, em São Paulo, para apresentar um monólogo revelador sobre sua própria história. Com letras de Chico Buarque declamadas pela veterana de 80 anos, Olhos nos Olhos passa por momentos traumáticos da vida da estrela de novelas, como a prisão na ditadura militar, mas também de boas lembranças, como a maternidade e a criação dos pais, e da doença que quase a fez parar de trabalhar. Em entrevista a VEJA, Ana Lúcia falou sobre o projeto e de sua trajetória até aqui, mas também de política, cultura e sociedade.

Confira a entrevista na íntegra:

Hoje a senhora mora em São Paulo ou mais no Rio? Minha vida sempre esteve muito ligada a São Paulo. Foi aqui que nasci, cresci, estudei e construí grande parte da minha trajetória. Mas o trabalho no teatro e na televisão me leva muito ao Rio, então acabo vivendo nesse trânsito entre as duas cidades. É um pouco cansativo, mas também estimulante. O Rio tem uma energia muito própria, principalmente por ser o centro da teledramaturgia, enquanto São Paulo é o meu porto seguro, onde mantenho minha casa, meus amigos e minha rotina mais íntima.

Seu novo espetáculo, Olhos nos Olhos, é apresentado como uma celebração dos seus 80 anos e 60 de uma carreira marcante na TV, no cinema e no teatro. Qual é a principal emoção que essa trajetória desperta? Eu sempre fui uma pessoa extremamente discreta, reservada. Você não encontra nada pessoal meu nas redes sociais, somente trabalho. De repente, estou falando de coisas muito íntimas. E é muito interessante porque, aos 80, me deu coragem. Ter coragem, para mim, significa ter uma vitalidade, é uma não entrega. Não que eu não goste de ter 80, pois estou adorando. Porque agora estou me permitindo muitas coisas que eu não me permitia antes de jeito nenhum. Eu diria que é uma mistura de gratidão e coragem. Coragem, talvez tardia, de falar sobre essa vida, porque eu acho que a partir do momento que eu falo desses momentos que foram mais marcantes, às vezes hilários, às vezes terríveis — como é a vida, isso, talvez, possa ser um incentivo para que outras pessoas com idade vejam que não precisa parar. Vejo pessoas falando de ter 65 anos com um peso, mas eu estou aos 80 achando tudo ótimo. Aos 80, me deu coragem de falar de tudo que nunca falei.

O que está fascinando a senhora nesse momento da vida? Uma das coisas é poder dizer para as pessoas, como diz o Chico: a gente vai contra a corrente até não poder resistir, mas enquanto houver vida, a gente resiste e toma a iniciativa e vai pra rua. Que é o que eu estou fazendo, ainda.

De onde partiu essa coragem agora? Várias vezes e por várias pessoas eu fui convidada para fazer uma biografia. Mas eu sempre disse não. Eu não queria porque escrever uma biografia é datar o tempo. Quando a biografia acaba, eu continuo, então sempre ia ficar faltando. Mas tentavam me convencer a pelo menos falar do meu trabalho, para que ficasse um registro, mas eu nunca quis. Porém, nos últimos dois anos, eu comecei a ficar muito cansada, me sentia exausta. Tive um momento frágil por causa de uma doença que me deixou meses sem energia nenhuma. Eu não conseguia sair da cama, não tinha ânimo sequer para atravessar a rua. Até que descobri com um diagnóstico correto que a minha hipófise tinha parado de produzir alguns hormônios. Quando comecei o tratamento — que bastava um comprimido por dia para recuperar a vitalidade, em questão de dias voltei a viver e aquilo abriu um leque de possibilidades na minha cabeça. Percebi que poderia continuar sendo reservada, mas que estava na hora de dividir algumas memórias com o público.

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O que esse monólogo revela da sua vida? Eu falo dessa doença, de como ela foi o gatilho para a peça acontecer. O monólogo também revela capítulos fundamentais da minha trajetória: a rigidez da minha mãe, que me moldou muito para ser sempre perfeita; a influência do meu pai, que trabalhava em gravadora e me aproximou do mundo artístico; da maternidade do meu único filho, Pedro; o período da minha juventude; das conquistas das mulheres; e também da minha prisão durante a ditadura militar. Mas não é uma peça apenas sobre mim — é sobre o Brasil, sobre como tantas pessoas viveram situações parecidas. Eu quis construir uma narrativa pessoal que dialoga com a memória coletiva. É uma trajetória de 1945 a 2025, tudo isso sublinhado com letras de músicas de Chico Buarque, que começou comigo no teatro amador e não há ninguém para contar melhor a história desse país como ele. Sou eu narrando, mas é a história de muitos brasileiros.

Chico Buarque sabe do espetáculo? Não conversei com ele. Ele é um homem muito ocupado, sempre envolvido em projetos. Já o encontrei algumas vezes, mas não sei se terá oportunidade de assistir. Seria uma honra, claro.

Como era a sua família? Minha mãe era uma dona de casa, como era comum naquela época, anos 1940, e era uma mulher muito ativa, forte, que adorava ler, ir ao cinema e ao teatro, mas extremamente rígida. Cresci sob regras duras, que hoje entendo que também me deram disciplina. Já meu pai era mais ligado à arte: trabalhava em gravadoras de disco de vinil, conhecia músicos, tinha sensibilidade. Acho que herdei um pouco dos dois: a disciplina dela e a sensibilidade dele. E eles sempre me apoiaram integralmente em tudo que fiz, inclusive na vida artística.

Sua vontade de virar atriz surgiu logo na infância? Sim. Eu ainda era só uma menina. Eu estudei por um ano e meio em um colégio de freiras, e freiras adoram fazer festa, fechavam a rua para eventos. E elas me mandavam declamar poemas, o que eu adorava. Depois, fui estudar em escolas estaduais, onde tive uma formação escolar brilhante. E lá todo final de ano tinha festa, e eu comandava as festas, cantava, dançava, fazia tudo. Como diria Eva Wilma [1933-2021], eu era “muito exibidinha”. Mais tarde, eu entrei na faculdade, na PUC [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo], em março, e em abril foi montado um grupo de teatro da faculdade, que é o Tuca, o Teatro da Universidade Católica, que foi um divisor de águas. Foi o meu grupo de teatro que inaugurou o prédio do Tuca. Estreei em Morte e Vida Severina, cujas músicas eram de Chico Buarque. Aquele palco me deu a certeza absoluta de que o teatro seria meu destino. Era como se eu tivesse encontrado minha voz.

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Um dos acontecimentos de sua vida que a senhora aborda na peça é sua prisão durante a ditadura. Como aconteceu? O que aconteceu foi o Tuca. Fui presa em 1972. Nós fazíamos teatro e fazer cultura em uma época de ditadura é muito complicado. Eu tive dois ou três colegas do Tuca presos no começo da ditadura, mas nessa época eu tinha ido morar na Europa com um namorado que queria estudar direito marítimo no exterior e passei sete anos e meio fora do Brasil — morei na Noruega, em Londres, trabalhei de tudo, de camareira a vendedora de loja. Quando voltei, em apenas seis dias, homens armados com metralhadoras bateram na minha porta e disseram que iam me prender, então fui levada ao DOI-CODI. Muitos colegas meus do Tuca já tinham sido presos porque, segundo o que eu ouvi de militares, é que o trabalho deles estava muito parado. Passei seis dias detida, completei 30 anos lá dentro. Não sofri violência física, mas eu ouvia o que acontecia com outros. Ficavam me mandando identificar quem eu conhecia em cadernos com fotos. Identifiquei meus colegas do Tuca porque todos disseram que já tinham sido presos mesmo. A pressão psicológica era brutal. Você não sabe se vai sair, se vai viver ou morrer. Esse medo fica. É uma marca que nunca desaparece.

Depois desse episódio, não teve medo de seguir no teatro? Pelo contrário. Pouco depois recebi um convite do Celso Nunes, pai do Gabriel Braga Nunes, para atuar em uma peça no Rio. Era 1976. Aceitei sem hesitar.

Como enxerga o papel da cultura hoje, num país tão polarizado? Eu acho muito difícil chegar nesse ponto de radicalização que nós chegamos. Eu consigo entender quem é de direita, mas não entendo o radicalismo de nenhum lado. Consigo conviver com pessoas de direita tranquilamente, porque elas também convivem comigo sabendo o meu posicionamento. Então, eu acho muito triste esse período da história que nós estamos passando, porque essa polarização política que veio através de pessoas que, ouso dizer, são completamente inescrupulosas, que vendem a própria alma para obter qualquer resultado. É terrível eu me dar conta de que eu estou vivendo esse processo. O radicalismo não faz bem. Para ninguém, nunca. Não faz bem socialmente, não faz bem politicamente, não faz bem religiosamente. Nenhuma sociedade sobrevive ao radicalismo, veja o que aconteceu com o nazismo na Alemanha, por causa de uma pessoa louca. Eu acho que muitos se calaram por medo, e isso é perigoso, porque, quando você se cala por medo, você permite o radicalismo. É necessário possibilitar o pensar. E a cultura é fundamental para iluminar, questionar e aproximar. O teatro, a música, o cinema, tudo isso tem o poder de quebrar barreiras.

Então, politicamente, como se define? Sempre estive mais à esquerda, mas sem radicalismos. Eu diria que sou socialista, porque meu pai dizia: “Ser socialista é ser cristão”, no sentido de acreditar que todos somos iguais, e todos devem ter os mesmos direitos e deveres. Essa visão me formou. Não acredito em soluções extremas, mas acredito em justiça social, em igualdade. Então, uma pessoa entrar no palácio do governo pelo qual eu paguei para existir, junto com tudo que está lá dentro, através dos meus impostos, e quebrar tudo é vandalismo.

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A senhora participou das últimas manifestações de rua contras as PECs de anistia e blindagem? Participei, em São Paulo. Foi emocionante, mas também melancólico. Porque percebi que, passadas tantas décadas, ainda lutamos pelas mesmas causas. O que me deu esperança foi encontrar uma jovem na passeata e, de forma simbólica, passar o bastão a ela. Senti que a luta continua, agora em outras mãos.

A senhora acredita que a geração atual é menos preparada que a dos pais? Infelizmente, sim. Não por falta de inteligência, mas por falta de base. A educação se fragilizou muito. A escola sozinha não dá conta — quem educa de verdade é a família. Hoje vemos professores desrespeitados, sem autoridade, e isso se reflete em toda a sociedade.

De volta a Olhos nos Olhos, por acaso a senhora tem algum ritual antes de entrar em cena? Chego cedo, pelo menos uma hora e meia antes. Gosto de andar pelo palco vazio, sentir o espaço. Depois faço exercícios de respiração, aquecimento de corpo e de voz. Só então me maquio e visto o figurino. Não sou supersticiosa, mas acredito muito na disciplina e na preparação. É isso que me dá tranquilidade para estar inteira em cena.

E sobre sua carreira na TV, como olha para tantos papéis marcantes, como a vilã Débora de Alma Gêmea (2005) e a Hilda de Verdades Secretas (2016)? A vilã mais malvada que eu já fiz até hoje, a Débora, continua rendendo memes até hoje. Eu me divertido tanto fazendo aquilo. Cada personagem foi um pedaço de mim. Adoro interpretar vilãs porque elas nos lembram que o mal existe e precisa ser reconhecido. Sempre penso que, se consigo emocionar uma única pessoa, já cumpri minha função.

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Há novos projetos em vista? Sim. Em dezembro vou filmar o terceiro longa de Um Tio Quase Perfeito, que teve grande sucesso. Serão apenas dez diárias, ajustadas aos meus horários do teatro. Me chamaram para fazer novelas, mas tive que recusar por causa daquela fase em que estava doente. Eu emendei cinco novelas, quero voltar a fazê-las mais para frente. No momento, quero me dedicar à peça.

A senhora pensa sobre a finitude? Eu sou espírita. Eu entendo que a morte física existe, mas não existe a morte do ser espiritual. Eu não sei como vou reagir na hora que estiver indo, mas, racionalmente, eu sei que é só uma passagem. Eu não penso na finitude porque eu, como espírita, não tenho finitude. Eu tenho o infinito. 

Olhos nos Olhos – Ana Lúcia Torre e letras de Chico Buarque
Onde assistir: Teatro Santos Augusta
Endereço: Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2159, Jardins, São Paulo
Datas: de 11 de outubro a 09 de novembro de 2025
Sessões: sábados, às 20h. Domingos, às 18h
Ingressos: Plateia – R$ 160 (inteira) e R$ 80 (meia-entrada) | Balcão – R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia-entrada). Observação: O acesso ao Balcão se dá apenas por escadas fixas.
Bilheteria: sábados, das 13h às 20h. Domingos, das 11h às 18h. A bilheteria funciona apenas em dias com espetáculos.
Duração: 75 minutos
Vendas: pelo site da Sympla

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