‘A Filha Perdida’ captura a essência das mulheres de Elena Ferrante
Nos livros da autora italiana, o “sexo frágil” passa longe de idealizações sociais – dos velhos estereótipos ao mea-culpa da mulher forte da ficção atual
Em um primeiro olhar, Leda parece uma mulher inofensiva, solitária e melancólica, que passa as férias sem as filhas em uma ilha ao sul da Itália. Vivida pela excelente Olivia Colman em A Filha Perdida, novo filme da Netflix, Leda não demora a demonstrar que, na verdade, é uma pessoa espinhosa e astuciosa – personalidade que vem à tona quando uma família numerosa e barulhenta toma a praia onde ela descansava em paz com seus livros. Professora universitária de literatura, Leda é integrante do seleto grupo de protagonistas criadas por Elena Ferrante, a misteriosa autora italiana que assina a tetralogia napolitana iniciada por A Amiga Genial (2011). Em comum, as mulheres advindas da literatura de Elena são parte de um mundo de intelectuais com anseios que vão além dos desejos tipicamente associados aos estereótipos do feminino. Para começar, no universo da autora a idealização é uma balela. O ser humano, seja qual for o gênero ou idade, é falho. E lá fora, o mundo é hostil. Sob a direção de Maggie Gyllenhaal, A Filha Perdida capta com primor essa vida cercada por arestas.
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As cenas de Leda na praia, observando ao longe uma jovem mãe (vivida por Dakota Johnson) e sua filha pequena – partes da família barulhenta –, se mesclam a flashbacks da protagonista na juventude (interpretada por Jessie Buckley) e os duros deveres da maternidade diante de suas filhas Bianca e Martha. Elena Ferrante rejeita a ideia comum de que mulheres nasceram para ser mães e que nada há de maior do que o laço da maternidade. Em seus livros estão mães que se arrependeram de ter tido filhos e outras que negligenciam os rebentos pela carreira ou pela frugalidade de um romance – isso tudo sem um fiapo de culpa.
Se de um lado a autora rompe com a ideia do conto de fadas da mulher maternal, pudica e feita para cuidar do lar, do outro lado ela também repudia o conceito já incrustado no mea-culpa da ficção atual, da tal “mulher forte”. Em Dias de Abandono, novela de 2002, a protagonista Olga, que mudou toda sua vida em prol do marido e dos filhos, se vê numa espiral de autodestruição e amargura quando é abandonada pelo esposo. Em A Vida Mentirosa dos Adultos, de 2019, seu romance mais recente, Giovanna é uma adolescente que também entra numa tremenda crise após ser comparada pelo pai à uma tia considerada detestável pela família. Sem a aprovação masculina, seu processo de amadurecimento é penoso.
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Da maternidade ao apoio masculino, são muitos os pesos carregados pelas mulheres e desmistificados pela pena da autora. Diante de um livro de Elena Ferrante ou de um filme adaptado de sua obra, o imprevisível é a regra. E suas mulheres, fortes e fracas, belas e feias, velhas e jovens, se equilibram como podem até, enfim, assumir as rédeas para definir as próximas regras.
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