‘A Agência’ reforça onda de séries sobre espiões em crise
Com Michael Fassbender e Richard Gere, novidade acaba de chegar à plataforma Paramount+ e entra para o clube de boas tramas do filão, como 'Slow Horses'
Sob o codinome Martian (marciano, em português), o espião da CIA interpretado por Michael Fassbender retorna para Londres após seis anos vivendo com identidades falsas em missões internacionais. O braço da agência de inteligência americana na Inglaterra o instala em um apartamento anódino e discreto, mas que é também uma fortaleza à prova de paranoias: o imóvel está repleto de escutas, e outros agentes o vigiam 24 horas por dia na frente do prédio. Em vez de ser tratado como herói, Martian parece um suspeito. Após muito insistir, ele é autorizado a receber a visita da filha, Poppy (India Fowler). A adolescente sabe que o pai trabalha na CIA, conhece procedimentos para não ser seguida na rua e usa nomes falsos até para falar do namorado. Ainda assim, ela desconhece as funções específicas do pai. “Você já matou muita gente?”, questiona. Ele garante que não, que seu trabalho em campo é voltado a fazer conexões com pessoas-chave no jogo político e da segurança mundial. “Então você me abandonou por seis anos para fazer amigos?”, alfineta a garota.
A conversa atípica para uma trama de espionagem é parte do roteiro afiado da série A Agência, que acaba de chegar à plataforma Paramount+. Ao longo de dez episódios semanais, o programa inspirado na série francesa The Bureau oferece uma visão menos glamourosa do ofício se comparada a outros sucessos do filão, como os filmes de James Bond ou a série 24 Horas, com o violento agente antiterror Jack Bauer (Kiefer Sutherland). Se nessas produções mais tradicionais a ação é seguida de perto até o desfecho triunfal, A Agência traz um vislumbre do que vem depois na vida de quem encerrou sua missão — como a falta de propósito, a dificuldade de se readaptar e a dor da ausência de pessoas deixadas para trás. Esse último efeito adverso da profissão é particularmente doloroso para Martian. Ele se afastou da filha por causa do trabalho, mas não só: ao abandonar o disfarce, deixou a namorada, a historiadora Sami (Jodie Turner-Smith), na Etiópia. “O drama geopolítico existe, mas ele serve de cenário para explorar as interações e as complexidades humanas”, disse a VEJA o ator Jeffrey Wright, que interpreta um dos chefões da CIA — ao lado de Richard Gere, que completa o elenco estelar.
A presença de nomes de peso virou obrigatoriedade na nova leva de tramas do gênero. Lançada em 2022 e já em sua quarta temporada, Slow Horses, da Apple TV+, traz o fenomenal Gary Oldman à frente de uma repartição caída do MI5 — serviço de inteligência doméstico britânico. O puxadinho é o limbo de ex-agentes que pisaram na bola e foram redirecionados para funções menores. A série, porém, transforma o grupo no centro da ação de forma perspicaz e hipnotizante. A lição de casa também é muito bem-feita pela sagaz The Old Man, com Jeff Bridges como um ex-CIA aposentado e perseguido pelo governo.
Vertente pop da ficção, as produções de espionagem andam de mãos dadas com os conflitos mundiais. Já era assim em precursores d’antanho, como o livro The Spy (1821), escrito pelo americano James Fenimore Cooper (1789-1851) e ambientado durante a revolução da independência americana. O filão ampliou seu apelo nos tempos conspiratórios da Guerra Fria. De forte teor ideológico, geralmente com americanos e britânicos vencendo todo o resto, o tema foi sintetizado por dois escritores ingleses: Ian Fleming (1908-1964), pai do agente 007, e John le Carré (1931-2020), que atuou como espião para a inteligência britânica, o MI6, e escreveu romances lapidares nos quais a ideia do herói intocável é substituída pela do espião falho e em constante crise.
Essa última escola é atualizada com brio por A Agência e companhia. Enquanto Martian questiona a eficácia de seu trabalho passado e dilemas atormentam seus colegas, uma psicóloga (a brilhante Harriet Sansom Harris) é enviada ao escritório da CIA para avaliar a saúde mental dos funcionários. Fazer pessoas treinadas para guardar segredos se abrirem com sinceridade é um desafio — mas o charme de séries assim é justamente oferecer uma janela indiscreta para espiar a mente de quem espiona.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921