“Prezado Sérgio, qual o nome correto do Polo Sul? Antártica ou Antártida? Tenho notado que este último – a meu ver equivocado – aparece com mais frequência na mídia.” (Darcio Rangel)
Darcio traz uma questão que, mesmo sendo de escassa relevância, costuma provocar debates escaldantes. Vamos começar pela vaca fria: em português, o nome tradicional do continente gelado em torno do Polo Sul é Antártida (em Portugal, Antárctida). Entende-se, portanto, que seja essa a forma que o leitor encontra “com mais frequência na mídia”. No tempo em que eu lustrava os bancos escolares, era a única.
Até algum momento impreciso dos anos 1980, talvez 1990, não parecia haver dúvida sobre isso: Antártida era o nome próprio e antártico (ou antártica), o adjetivo a ele correspondente. Era comum um aluno trocar as bolas e, talvez por influência da famosa marca de cerveja – auxiliada pelo fato de serem aquelas terras chamadas de Antarctica em inglês –, referir-se ao continente antártico como “Antártica”. Nunca deixavam de corrigi-lo.
Faz anos que isso vem mudando. Não havendo o que se possa chamar de posição “oficial” sobre o assunto, hoje as duas formas, Antártida e Antártica, são empregadas no português brasileiro – consta que em Portugal, pelo menos por enquanto, os falantes conservam total fidelidade à sua “Antárctida”. Quem tiver curiosidade vai se divertir com o quebra-pau que a questão provocou entre brasileiros e portugueses numa página de discussão da Wikipedia em 2007.
Será que o uso crescente do nome próprio Antártica é apenas um daqueles erros que, de tão repetidos, acabam por se impor? É uma possibilidade, mas seus defensores mais eruditos, entre os quais há geógrafos de renome, alegam ser essa a única forma que faz sentido etimológico, uma vez que o latim antarcticus, “austral”, derivou do grego anti + arctikós, ou seja, o que se opõe ao ártico (de Árktos, a Ursa, dupla de constelações do norte). Se não chamamos o Ártico de Ártida – argumentam – por que chamar seu antípoda de Antártida?
A pergunta faz algum sentido. Há quem imagine que tudo começou com um erro de grafia e ainda os que enxergam no batismo da Antártida uma influência daquela mitológica Atlântida, o continente perdido. De todo modo, foi Antártida a forma que se consagrou em nossa língua – e da qual não vejo motivo para abrir mão. Afinal, se a simetria é tão importante, quando vai começar a campanha para mudar o nome do Ártico para Ártica?
Discussões etimológicas à parte (dificultadas pelo fato de dicionaristas não se dedicarem habitualmente a topônimos, registrando apenas os adjetivos a eles correspondentes), considero provável que a forma emergente Antártica seja (mais) um reflexo do domínio cultural do inglês. Trata-se, contudo, de uma preferência pessoal. Qualquer que seja a sua, o uso atual e o bom senso mandam admitir como corretas ambas as formas, Antártida e Antártica.
Publicado em 27/6/2013.