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Sobre Palavras

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Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

Um certo ‘beautiful game’

A informação surpreenderia um ET que, recém-desembarcado na Terra, levasse em conta apenas a bola sucinta e pragmática que a seleção brasileira, a cara de seu técnico, tem jogado na África do Sul, mas a consagração internacional da expressão beautiful game (“jogo bonito” em inglês) como sinônimo poético de futebol tem tudo a ver com […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 14h58 - Publicado em 27 jun 2010, 08h14

A informação surpreenderia um ET que, recém-desembarcado na Terra, levasse em conta apenas a bola sucinta e pragmática que a seleção brasileira, a cara de seu técnico, tem jogado na África do Sul, mas a consagração internacional da expressão beautiful game (“jogo bonito” em inglês) como sinônimo poético de futebol tem tudo a ver com o Brasil.

Na verdade, beautiful game – expressão que já foi até slogan da Nike – tem duas acepções, como se depreende com facilidade da cobertura esportiva anglófona, especialmente a da imprensa inglesa: uma ampla, de futebol em geral, e uma estrita, de futebol jogado por brasileiros.

Há por trás disso, claro, o respeito por equipes e craques de várias gerações que conquistaram para o país uma inédita coleção de (por enquanto) cinco títulos mundiais praticando um futebol que, na média, ficava distintamente acima da média das demais potências futebolísticas em inventidade e talento individual, ainda que não na organização tática. Mas existe uma dose de mal-entendido também, como ocorre com frequência no reino da linguagem.

Beautiful game, coisa rara, é uma expressão com paternidade definida, ou pelo menos reivindicada. No livro “Pelé – A autobiografia” (Sextante, 2006) , purgado pelo ghost writer do plural majestático normalmente associado ao personagem, Edson Arantes do Nascimento emprega a singela primeira pessoal do singular para sustentar que cunhou o modismo linguístico do “jogo bonito” numa entrevista como jogador do Cosmos de Nova York em meados da década de 1970. Tendo deixado o Santos e a seleção brasileira, o mais famoso jogador do mundo era então o principal trunfo de um projeto maluco: fazer o futebol “pegar” num país que até hoje insiste em chamá-lo de soccer. Afirma Pelé:

Foi nessa época que usei pela primeira vez a expressão beautiful game (jogo bonito). Os repórteres americanos sempre me perguntavam sobre o soccer, que é como os americanos chamam o futebol, e eu respondia que não era soccer, era football. Mas precisava acrescentar que não me referia ao que eles chamavam de futebol, o futebol americano. Dizia então que o futebol que eu – e o resto do mundo – jogávamos era o beautiful game. A expressão foi a maneira que encontrei para explicar a eles a diferença entre futebol e futebol americano. Acho que encontrei eco, porque beautiful game tornou-se provavelmente minha expressão mais repetida.

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E quem quiser que conte outra. Se um certo ceticismo é sempre saudável nesses assuntos, a história, contudo, não deixa de ser plausível. Se naquele momento havia alguém no mundo do esporte com poder de sobra para lançar uma moda dessas, até mesmo sem querer, era Pelé.

Note-se que sua história corrobora aquela primeira acepção de beautiful game, a de futebol em geral (“eu e o resto do mundo”), ao mesmo tempo que, por vir de Pelé, dá força à segunda, a de futebol brasileiro.

Mas onde está o grau de mal-entendido mencionado acima? Na origem da guerra, digamos, filosófica que vem se desenrolando há anos – e da qual a seleção brasileira de Dunga é apenas mais um capítulo – entre o “jogo bonito”e o “futebol de resultados”. Quem joga bonito perde, vociferam uns. É animicamente melhor perder jogando bonito (como em 1982) do que ganhar jogando feio (como em 1994), retrucam outros.

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Trata-se de uma discussão equivocada, claro. Jogar bonito – podem perguntar a Pelé – sempre incluiu ser competitivo e, de preferência, vencer. Por outro lado, a beleza do futebol não se resume ao ataque, ao drible, como os românticos bitolados insistem. Pode haver uma insuspeitada dimensão estética na antecipação lúcida feita por um zagueiro ou no alto índice de passos certos de uma boa seleção alemã, por exemplo. Beautiful game, a expressão, não exclui nada isso.

E nem é preciso lembrar que também se perde, e como, jogando um futebol horroroso.

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