‘Tudo está como que esfumado…’, escreveu Erico Verissimo
O que diz a gramática sobre esse ‘como que’?

“Olá, Sérgio. Antes de tudo eu gostaria agradecer por seu trabalho na coluna, que tem sido muito útil para mim e certamente para muitos outros. Minha dúvida refere-se ao trecho abaixo:
‘…tudo está como que esfumado na cerração azulada do ambiente, que a luz da lamparina mal alumia’ (Erico Verissimo, O Continente, vol 1., p.33, Companhia das Letras).
Sei que já vi o uso de ‘como que’ em outros escritores consagrados, mas não encontrei a expressão discutida em nenhuma gramática – não que o Erico precise da permissão de algum gramático. Daí a dúvida. Não estou perguntando pelo certo ou pelo errado, apenas gostaria de entender se é um estrangeirismo, um modismo qualquer, ou pelo contrário, uma construção mais sisuda, talvez arcaica. Grato desde já.” (Mateus Pool)
Caro Mateus, esse “como que” usado por Erico Verissimo (foto) no trecho que você cita é uma expressão clássica da língua portuguesa – nem estrangeirismo nem modismo. Tampouco pode ser considerada uma forma arcaica, embora tenha sabor mais literário, mais culto. Veja-se este outro exemplo, colhido em Machado de Assis (“Dom Casmurro”, capítulo XXXIV):
“As próprias mãos tocadas, apertadas, como que fundidas, não podiam dizer tudo.”
Se quisermos ser técnicos, diremos que “como que” costuma ser classificado pela gramática tradicional, com perdão do palavrório, como conjunção subordinativa adverbial comparativa – ou melhor, locução conjuntiva, pois se trata de duas palavras.
No entanto, será bem difícil encontrar “como que” ligando uma oração principal a uma subordinada, como ocorre com a locução “como se”, sua prima: “Caiu na gandaia como se o mundo fosse acabar”.
Na maioria das ocorrências, “como que” faz papel de advérbio mesmo: “Tudo está como que esfumado”, isto é, “mais ou menos esfumado”, “vagamente esfumado”, isto é, parecendo (sem chegar exatamente a ser) esfumado – ou, para ficar num uso informal de grande circulação hoje, “tipo esfumado”.
Contudo, intervém aí a compreensão de que “como que” quase sempre pode ser parafraseado por “como se estivesse” ou “como se fosse”, o que é verdade. “As próprias mãos tocadas, apertadas, como que (como se estivessem) fundidas, não podiam dizer tudo”.
Sem entrar no mérito da discussão técnica, o Houaiss diz o seguinte sobre “como que” no verbete “como” (rubrica Gramática e Uso): “Indicando uma certa semelhança ou proximidade (com uma ação, conceito ou verdade) como é usado seguido de que (por exemplo, ‘tais censuras como que lhe estimularam os brios)…”.
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