‘Sinalizar’: um novo ‘a nível de’ na área
Vou sinalizar com a maior clareza: tome cuidado com o verbo “sinalizar”. Estamos diante de um modismo vocabular avassalador, tão nocivo em sua onipresença quanto já foram expressões como “a nível de” e “por conta de”. Na recente campanha eleitoral, da qual o país saiu rachado, a mania da sinalização foi um raro ponto de […]

Vou sinalizar com a maior clareza: tome cuidado com o verbo “sinalizar”. Estamos diante de um modismo vocabular avassalador, tão nocivo em sua onipresença quanto já foram expressões como “a nível de” e “por conta de”.
Na recente campanha eleitoral, da qual o país saiu rachado, a mania da sinalização foi um raro ponto de concórdia. Governo e oposição, todo mundo sinalizou que foi uma beleza.
“Considero lamentável que a presidenta Dilma sinalize que fugirá dos debates”, alertava Eduardo Campos em abril. Em julho, falando sobre o programa Minha Casa Minha Vida, Dilma optou pela sinalização dupla: “Estamos sinalizando para os empresários que esse programa vai continuar. Queremos deixar sinalizado para os trabalhadores, movimentos de moradias, que estamos pensando em 3 milhões para a próxima etapa”.
Passado o primeiro turno, Marina Silva preparou o apoio a Aécio Neves com o seguinte diagnóstico: “O Brasil sinalizou claramente que não concorda com o que está aí”. No primeiro debate do segundo turno, o candidato do PSDB afirmou, referindo-se a Armínio Fraga: “Felizmente já tenho um nome que sinaliza para a previsibilidade na nossa economia”.
Não é só o vocabulário da política e da economia que sinaliza dia após dia sua rendição incondicional ao verbo “sinalizar”. A imprensa – em todas as editorias – não fica atrás. Basta dar uma volta pelo noticiário eletrônico ou de papel para comprovar isso. (Veja.com não está imune ao vírus da sinalização. Ninguém está.)
Antigamente, quando havia compromisso firmado com algum evento futuro, como no exemplo de Dilma ali atrás, conjugavam-se verbos como garantir, prometer, afirmar, assegurar, planejar.
Não existindo compromisso, mas razoável certeza de determinado desdobramento, ia-se de apontar, anunciar, indicar, assinalar, atestar, prever, deixar claro.
Quando a segurança era menor, preferia-se o uso de sugerir, acenar com, dar a entender, insinuar. Para certezas menores ainda: especular, ventilar…
Hoje ficou mais fácil: o verbo-ônibus “sinalizar” resolve todos os problemas. Se ele passa a motoniveladora sobre os matizes que dão precisão e colorido à linguagem, paciência. Isso deve ser a sinalização de alguma coisa.
A regência também vem se sofisticando para acompanhar o sucesso da palavra. Normalmente o verbo é tratado como transitivo direto (“sinalizou isto ou aquilo”), mas, como se viu na frase de Aécio aí em cima, não é incomum que venha acompanhado da preposição “para”. Sinalizar “com” também já é um clássico.
Mais estranhos são os casos em que a preposição é “sobre”, como se viu esta semana num espantoso título no site do “Correio Braziliense”: “Marta Suplicy sinaliza sobre cultura receber parte dos recursos do pré-sal”. Uau!
Seria um equívoco conservador alegar que todos esses usos de “sinalizar” estão simplesmente “errados” (bom, este último está). Embora as acepções dicionarizadas do verbo sejam quase todas coladas na sinalização literal – a que é feita com bandeiras, placas, cores, símbolos –, é preciso levar em conta que empregos figurados e expansões semânticas não são apenas inevitáveis em línguas vivas. São saudáveis também.
O que definitivamente não é saudável é o modismo que deixa todo mundo falando igual, que atenta contra a diversidade vocabular e a elegância de pensamento, que aplaina sutilezas de sentido, que instaura a repetição e o tédio e que – para resumir – torra a paciência da nação.
Fica a sinalização, quer dizer, o toque.