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Sobre Palavras

Por Sérgio Rodrigues Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.

Simplesmente? De forma simples? Evite a inflação adverbial

“Prezado Sérgio, adoro seu ‘Sobre Palavras’ e de tanto ler vou mandar uma consulta. O que foi feito do advérbio composto de adjetivo + mente? Noto que para os profissionais de comunicação, este advérbio foi extinto e só usam o ‘de forma + adjetivo’. Exemplos: ‘O contrato será renovado automaticamente’ vira ‘O contrato será renovado […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 09h29 - Publicado em 23 fev 2012, 14h14

“Prezado Sérgio, adoro seu ‘Sobre Palavras’ e de tanto ler vou mandar uma consulta. O que foi feito do advérbio composto de adjetivo + mente? Noto que para os profissionais de comunicação, este advérbio foi extinto e só usam o ‘de forma + adjetivo’. Exemplos: ‘O contrato será renovado automaticamente’ vira ‘O contrato será renovado de forma automática’; ‘Corria desesperadamente do ladrão’ vira ‘Corria de forma desesperada do ladrão’. Cabe a forma analítica ‘de forma’? Claro que cabe, mas observo que há uma determinação de só usar ‘de forma’ em qualquer circunstância e acaba soando uma outra língua, porque a dinâmica da frase (seria prosódia?) pede desesperadamente um ‘mente’. Não sei a que se pode atribuir este modismo, mas meu chute é o reducionismo linguístico que os iletrados, que agora são classe média e maioria, impõem. Os comunicadores para não parecerem pedantes, esnobes, acabam falando língua de criança. Gostaria de ouvir seu comentário. Abraços.” Carlos Alberto Guedes

As ponderações de Guedes, como se vê, nos conduzem àquela região além do conforto das regrinhas (isso está certo, aquilo está errado, basta decorar!), onde reside a graça verdadeira das questões da língua.

Em primeiro lugar, diga-se que seu diagnóstico parece correto: provavelmente, o advérbio formado classicamente por um adjetivo acrescido do sufixo mente vem sendo tratado injustamente por muitos profissionais de comunicação.

Em segundo lugar, sou obrigado a dizer que para mim, exageros à parte, quem luta para diminuir a incidência em seu texto de advérbios terminados em mente está certíssimo. Só na frase que compõe o parágrafo anterior eles são três: provavelmente, classicamente e injustamente.

Que tal reescrevê-la? “É provável que o advérbio formado classicamente por um adjetivo acrescido do sufixo mente venha sendo tratado com injustiça por muitos profissionais de comunicação.” Melhorou, nem que seja só por eliminar um bordão indesejável.

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Ocorre que palavras terminadas em mente tendem mesmo a um comportamento de praga se não forem tratadas com rigor, derivando com facilidade (facilmente?) para a embromação, a vagueza e o pedantismo satirizados na telenovela “O bem-amado”, de Dias Gomes, no personagem de Odorico Paraguaçu, um político dado a encher seu discurso de “devagarmente” e “de repentemente”.

Quando vemos o poeta João Cabral de Melo Neto, cujo nome virou sinônimo de secura de estilo e concretude referencial da linguagem, afirmar que “a língua portuguesa, especialmente a brasileira, é muito suave, muito mole”, podemos ter certeza de que os advérbios em mente (um dos quais aparece curiosamente em sua frase) têm muito a ver com tal juízo.

Correndo o risco da simplificação grosseira, pode-se afirmar que, na escala de concretude que nenhum profissional moderno do texto tem o direito de ignorar, substantivos concretos (homem, árvore) tendem a valer mais do que substantivos abstratos (felicidade, pensamento), que tendem a valer mais do que adjetivos (feliz, pensativo), que tendem a valer mais do que advérbios (felizmente, pensativamente). Estes vêm na lanterna.

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É evidente que essa simplificação não pretende amaldiçoar e muito menos proibir advérbios, apenas recomendar cuidado com sua inflação. Aliás, tal cuidado não se deve restringir às palavras formadas pelo sufixo mente, mas incluir todos os advérbios e locuções adverbiais: mesmo que não incorra no problema das rimas involuntárias, um texto cheio de “assim”, “de vez em quando” e “sem dúvida” também fica “mole”, para usar a condenação cabralina.

Ou seja, de volta à consulta de Guedes: a troca de “desesperadamente” por “de forma desesperada” é um recurso legítimo que, usado com parcimônia, pode contribuir para dar diversidade ao estilo, mas que passa longe de liquidar a questão.

*

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