Sem o trema, como distinguir a pronúncia de ‘equidade’ e ‘equiparar’?
“Caro Sérgio, sou fã do Consultório e gostaria de dividir com você uma singela angústia – a supressão do trema após a entrada em vigor do Acordo Ortográfico. Permito-me a opinião de que a extinção do famigerado diacrítico foi um grande desserviço. Gerações lusófonas posteriores, deparadas com vocábulos como ‘equidade’ e ‘equiparar’, poderiam se perguntar: […]
“Caro Sérgio, sou fã do Consultório e gostaria de dividir com você uma singela angústia – a supressão do trema após a entrada em vigor do Acordo Ortográfico. Permito-me a opinião de que a extinção do famigerado diacrítico foi um grande desserviço. Gerações lusófonas posteriores, deparadas com vocábulos como ‘equidade’ e ‘equiparar’, poderiam se perguntar: ‘Onde reside a diferença fonética entre esses termos, se ambos possuem o mesmo radical?’. A resposta a essa questão parece óbvia, porém minha rasa argúcia não alcança tal resolução. Talvez seja intransigência de minha parte, mas escrever ‘linguiça’ sem o trema ainda me causa um certo fastio.” (Luís Carlos Durans)
A angústia de Luís Carlos é compreensível: a ortografia é um hábito e, como todo hábito, mudá-lo costuma provocar desconforto. Não acredito, porém, que a supressão do trema possa deixar confusas as “gerações lusófonas posteriores”. A pronúncia das palavras é, historicamente, um fato anterior à sua expressão escrita em qualquer idioma, e tem seus próprios mecanismos de permanência.
Aliás, para conhecer os efeitos da abolição do trema para os falantes de português, não será preciso esperar nada: basta perguntar hoje mesmo aos portugueses, que em geral continuam pronunciando tais palavras da mesma forma que o faziam até 1945, antes de exterminarem esse sinal diacrítico por lá.
Sim, há flutuações de pronúncia, mas estas sempre existiram em parte dos vocábulos que tinham trema. Tais mudanças nunca dependeram da ordem ortográfica vigente, embora seja cabível supor, quem sabe, que ganhem agora um empurrãozinho. Só a passagem do tempo – um tempo mais longo, mensurável talvez em séculos – dirá.
O caso de equidade e equiparar que Luís Carlos cita é um ótimo exemplo. Embora tenham o mesmo elemento de composição de origem latina, equ- (“igual”), sua pronúncia hoje dominante guarda uma diferença: a maioria das pessoas diz eqüidade e equiparar.
No entanto, não se trata de uma regra sólida. O Houaiss registra também as variantes equidade (sem trema mesmo antes do Acordo) e eqüiparar (com trema antes do Acordo). A mesma instabilidade se verifica em vocábulos primos como equidistante/eqüidistante, equilátero/eqüilatéro etc.
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