Rio que não tem margem é rio?
Escolhida em homenagem ao Muriaé, a primeira Palavra da Semana de 2012 vem da primeira infância da nossa língua (século dez!): rio. Em última análise, descende do latim clássico rivus, mas por meio do latim vulgar rius. Também da linhagem de rivus são o francês rivière e o inglês river (o italiano foi buscar sua […]

Escolhida em homenagem ao Muriaé, a primeira Palavra da Semana de 2012 vem da primeira infância da nossa língua (século dez!): rio. Em última análise, descende do latim clássico rivus, mas por meio do latim vulgar rius.
Também da linhagem de rivus são o francês rivière e o inglês river (o italiano foi buscar sua principal palavra para curso d’água, fiume, em outro vocábulo latino que queria dizer rio, arroio, regato – flumina).
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Um homem não cruza duas vezes o mesmo rio. Rios de suor, de dinheiro, de lágrimas. O Aqueronte, o Nilo, o Tejo, o Amazonas. Um rio que passou em sua vida.
A carga simbólica da palavra não podia ser mais clássica, embora nunca deixe de ser moderna.
O rio tem volume, tem força, tem corrente, sempre teve. Mas também tem leito, curso, margem, palavras que confortam. Quando deixa de ter leito, curso e margem, quando aspira a virar mar, é porque perdeu mesmo as estribeiras.
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Na minha infância, o rio Muriaé já era sujo. Em suas águas barrentas andei pescando lambaris, carás e mandis, mas não podia nadar. Alguns moleques até se arriscavam, à falta de piscina, mas já então não pegava bem. Era o início dos anos 1970.
De lá para cá cresceu muito o despejo de lixo industrial, hospitalar e doméstico no Muriaé, ao mesmo tempo que se acentuava o desmatamento em sua bacia. Nos últimos anos, o rio passou a transbordar quase todo verão, e cada vez com mais fúria.
Não estamos falando de um regato. Com 250 quilômetros de extensão, o Muriaé é um dos principais afluentes do Paraíba do Sul. E está bravo.