Quando o coração late
O verbo latir, ninguém discute, veio do latim glattire, “ladrar, berrar, gritar”, ação exclusiva, em sua acepção primeira, de cachorros. O filólogo catalão Joan Corominas faz uma distinção sutil, afirmando que glattire se diferencia de latrare, termo em que fomos buscar o verbo “ladrar”, por se referir a sons mais agudos e entrecortados, do tipo […]

O verbo latir, ninguém discute, veio do latim glattire, “ladrar, berrar, gritar”, ação exclusiva, em sua acepção primeira, de cachorros. O filólogo catalão Joan Corominas faz uma distinção sutil, afirmando que glattire se diferencia de latrare, termo em que fomos buscar o verbo “ladrar”, por se referir a sons mais agudos e entrecortados, do tipo que os cães emitem quando sentem dor. Esta diferenciação se conserva mais presente em espanhol do que em português, idioma em que empregamos latir como simples sinônimo – e mais corrente – de ladrar.
Ocorre que, segundo o mesmo Corominas, latir também passou a ser usado – em espanhol já no século XV, mas também em português – com o sentido figurado de “palpitar ou pulsar o coração ou uma artéria”. Tudo indica que o som agudo e entrecortado emitido por cachorros em momentos de desespero inspirou esse uso metafórico do verbo. De fato, o Houaiss registra até hoje tal acepção de latir, com a ressalva de que é “pouco usada”.
No português moderno, como se sabe, esse sentido figurado foi ocupado pelo verbo latejar, que alguns etimologistas consideram de origem obscura, mas que a história contada por Corominas sugere ser muito provavelmente um derivado de latir, com a terminação -ejar exprimindo a continuidade da ação. É nisso que acredita, por exemplo, Antenor Nascentes, e não vejo por que discordar dele.