Quando a palavra veste a ideia como uma malha justa
Lendo um texto literário, tento decifrar por que ele me agrada tanto e chego à ideia de precisão vocabular. Será isso? Não, claro que nunca é uma coisa só, mas será em primeiro lugar isso, a precisão na escolha das palavras? O fato de as palavras vestirem as ideias como uma malha justa ou uma […]
Lendo um texto literário, tento decifrar por que ele me agrada tanto e chego à ideia de precisão vocabular. Será isso? Não, claro que nunca é uma coisa só, mas será em primeiro lugar isso, a precisão na escolha das palavras? O fato de as palavras vestirem as ideias como uma malha justa ou uma roupa emborrachada de mergulhador, melhor ainda, como uma segunda pele invisível através da qual a ideia se deixa ver por inteiro, como se já não fosse a ideia de uma coisa mas a coisa mesmo?
Um dos aspectos mais intrigantes da precisão vocabular é o fato de, sendo tão inerente ao bem escrever, ser tão difícil de ensinar. Para começar, não é nada fácil de definir, e a malha justa é um reconhecimento metafórico dessa dificuldade. Identificamos a precisão quando ela está ali, diante do nosso nariz, mas em que ela consiste exatamente?
Um cultor da simplicidade hemingwayana ou sabínica vai dizer que é simples: chame a casa de casa, o gato de gato. Mas estará sendo simplório, porque o que funciona num texto hemingwayano ou sabínico pode ser um desastre em diversos outros. O que é preciso aqui é impreciso ali, ou seja, a precisão está subordinada à totalidade do efeito pretendido. É quase como Calvinbol: se o narrador alucina, chamar a casa de, sei lá, gaiola, universo ou cubo mágico pode ter uma precisão de bisturi.
Se a precisão tem regras movediças regidas pela “totalidade do efeito pretendido”, é sobretudo dela, precisão, que depende tal efeito para deixar a bruma das boas intenções autorais e adentrar esse país cobiçado, mas perigoso, chamado cabeça do leitor, onde palavra vira ideia que vira coisa.