Quando a etimologia cai na gandaia
Vadinho (José Wilker) gandaiando em “Dona Flor e seus dois maridos” Gandaia é uma palavra respeitável da língua portuguesa: registrada em dicionário desde o início do século XVIII, constava do primeiro trabalho lexicográfico de relevo feito em nosso idioma, o “Vocabulario Portuguez e Latino” de Rafael Bluteau, com a seguinte definição (adaptei a grafia): “Andar […]

Gandaia é uma palavra respeitável da língua portuguesa: registrada em dicionário desde o início do século XVIII, constava do primeiro trabalho lexicográfico de relevo feito em nosso idioma, o “Vocabulario Portuguez e Latino” de Rafael Bluteau, com a seguinte definição (adaptei a grafia): “Andar à gandaia é andar buscando no lixo, e nas enxurradas, ferrinhos e outras coisas que a água leva”.
Inicialmente uma atividade própria de desocupados ou desvalidos, de lá para cá o sentido do termo se expandiu para vadiagem em geral e, por extensão, para outras acepções avessas ao bom comportamento: esbórnia, folia, bandalha, vida dissoluta. Deve ser por isso que, apesar da idade, a gandaia ainda conserva um ar irreverente de vocábulo informal.
A curiosidade da gandaia é o fato de os estudiosos de etimologia nunca terem sequer chegado perto de um consenso sobre sua origem. Poucos termos estão cercados de tanta confusão.
Joan Corominas, apoiado por Silveira Bueno, aposta no catalão gandalla, uma rede de cabelo, que teria se associado à “vida folgada” por ser usada por “bandoleiros dos séculos XVI e XVII”.
Antenor Nascentes registra a possibilidade de uma matriz árabe – a palavra gandur, “peralta” – e apresenta outra hipótese, que me parece mais descabelada: “Candaya será, quem sabe?, uma aproximação arbitrária da Catai misteriosa e desejada…”. Catai (ou Cataio) era o antigo nome que os europeus davam à região norte da China.
Toda essa gandaia etimológica é a deixa para que entre em cena o compositor Nei Lopes, estudioso de línguas africanas. Em seu “Dicionário Banto do Brasil”, ele apresenta a possibilidade de uma origem no umbundo nganda, “pessoa inerte, sem préstimo”.
E segue a farra…