Precisão não é preciosismo
Em termos de bom uso da língua, muito mais do que a correção gramatical (e ortográfica), o que conta mesmo é a precisão vocabular. No entanto, muito se fala de correção, pouco de precisão vocabular. A batatada gramatical agride quem lê, deve ser evitada em nome da limpeza, para não alienar o outro. Vivemos em […]
Em termos de bom uso da língua, muito mais do que a correção gramatical (e ortográfica), o que conta mesmo é a precisão vocabular. No entanto, muito se fala de correção, pouco de precisão vocabular.
A batatada gramatical agride quem lê, deve ser evitada em nome da limpeza, para não alienar o outro. Vivemos em sociedade e esta tem entre suas normas, como se sabe, várias que regulam o uso da língua. Mas é na precisão vocabular, na adequação das palavras ao que se diz, que um texto (ou fala) realmente seduz.
A correção opera negativamente, evitando que ele seja rejeitado. A precisão é positiva, propositiva. É quando você diz ou não diz a que veio.
O problema da precisão é que muita gente a confunde com preciosismo, com o uso de palavras raras. O escritor Autran Dourado contou ter ficado muito feliz no dia em que descobriu que aquela pedra redonda dos amoladores de faca se chama rebolo. Um leitor certa vez censurou brandamente um conto meu por citar uma máscara carnavalesca veneziana nariguda e não nomeá-la com a palavra justa em italiano: nasone.
Nunca usei a palavra rebolo, embora não descarte vir a fazê-lo, e a narradora daquele meu conto, uma senhora idosa e simples, não falaria desse jeito. É provável que jamais tenha ouvido a palavra nasone. Aí é que está: ser preciso não é encontrar a palavra justa em abstrato, é encontrar a palavra justa para aquela situação. É possível ser preciso com três mil palavras e impreciso com 30 mil.
Em seu livro “Como funciona a ficção”, recém-lançado no Brasil, o crítico inglês James Wood não fala de precisão vocabular, mas, comentando metáforas, cita uma frase do escritor italiano Cesare Pavese que ilustra bem o que é precisão-no-contexto: o narrador de uma história passada numa aldeia atrasada da Itália fala da lua amarela “como polenta”.
Hã? Será que Pavese não tinha algo melhor com que comparar a lua? Uma moeda de ouro, por exemplo, que ainda teria o benefício da forma semelhante, além da cor? Não. Os camponeses da sua história nunca tinham visto uma moeda de ouro. E comiam polenta todo dia.