‘Prazo de tempo’ é uma expressão redundante?
“Prezado Sérgio, há alguns dias li, numa matéria publicada em Veja.com, uma declaração atribuída a um diplomata, um homem, em princípio, culto e que tem o dever de não espancar a língua portuguesa, com o seguinte teor: “O embaixador José Alfredo Graça Lima explica: ‘São cifras que visam dar dimensão da grandeza do que pode […]

“Prezado Sérgio, há alguns dias li, numa matéria publicada em Veja.com, uma declaração atribuída a um diplomata, um homem, em princípio, culto e que tem o dever de não espancar a língua portuguesa, com o seguinte teor:
“O embaixador José Alfredo Graça Lima explica: ‘São cifras que visam dar dimensão da grandeza do que pode efetivamente ser alcançado dentro de um prazo de tempo que a gente não sabe, hoje, até onde vai se estender’.”
Estranhei o uso da expressão ‘prazo de tempo’, porquanto a palavra ‘prazo’ já é indicativa de um período de tempo. Afinal, Sérgio, vindo de quem veio, é ou não tolerável desvio de linguagem como esse? Forte abraço.” (José Araújo)
A questão trazida por José Araújo parece, a princípio, se encaixar na onda chatinha de caça ao pleonasmo que tem provocado tantos abusos por aí. Mas não é bem assim: empregada por quem quer que seja, “prazo de tempo” é uma expressão que tem mais argumentos contra si do que a seu favor, como veremos.
Antes, porém, vale o alerta: é perda de tempo condenar, sobretudo na linguagem coloquial, expressões consagradas como “encarar de frente” (que significa “enfrentar de peito aberto, de forma direta ou destemida”) com base no argumento supostamente lógico de que “encarar de lado ou por trás é impossível”. Haja literalismo.
Ocorre que poucas palavras permanecem presas até a morte no núcleo de seu sentido original. Em especial por metáfora ou metonímia, a mancha semântica gosta de se espalhar. “Encarar” assumiu faz tempo significados como “examinar um problema” e “aceitar um desafio”, atitudes que se pode tomar, como se sabe, de mil formas oblíquas e não apenas frontalmente. De todo modo, ainda que se insista no pleonasmo de “encarar de frente” como numa espécie de pecado original, é bastante evidente sua função de reforço.
Mas isso é digressão. Para começar a voltar à discussão proposta pelo leitor, vejamos a popularíssima locução “espaço de tempo”, outra vítima habitual dos literalistas. Estes costumam dizer com alguma ingenuidade e muito apego à hipercorreção que espaço e tempo são categorias rigorosamente distintas (são pré-einsteinianos), o que tornaria “espaço de tempo” um contrassenso.
Naturalmente, não levam em conta o espalhamento semântico do substantivo “espaço”, que entre muitas acepções contraiu esta, número 9 no Houaiss: “período ou intervalo de tempo”. Quer dizer que nesse caso, em vez de um contrassenso, temos uma maldita… redundância? Nada disso. Se espaço é uma palavra tão rica de sentidos, deixar claro que nos referimos ao espaço “de tempo”, e não aos outros espaços possíveis, parece bastante sensato.
E assim chegamos finalmente ao “prazo de tempo”. Será que ocorreu com o substantivo “prazo” um espalhamento semântico parecido? Aí é que está: não ocorreu. O prazo permanece ligado necessariamente à ideia de tempo. Falar em “prazo de tempo” sugere mesmo um pleonasmo vicioso: basta dizer “prazo” que tudo está dito.
Em defesa da fala do diplomata citado há apenas o argumento de que, principalmente no registro informal da oralidade, é muito comum que o raciocínio se desdobre dessa forma. Note-se que a palavra “tempo” aparece no momento em que se trata de qualificar o “prazo”. Qual prazo, ou seja, quanto tempo? Um “tempo que a gente não sabe, hoje, até onde vai se estender”.
Algo análogo ocorre quando se fala, por exemplo, em “ducha de água fria”. Toda ducha é de água, certo? Certo, mas nem toda ducha é de “água fria”. Vista assim, como desdobramento da ideia inicial de “prazo”, a construção trazida pelo leitor e o raciocínio que a motivou se tornam bem mais justificáveis. De toda forma, em registros linguísticos mais apurados, “prazo de tempo” é uma expressão que deve ser evitada.
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