‘Pout-pourri’ ou ‘pot-pourri’? Um cheiro de podre no ar
“Sou jornalista e desde que me entendo por gente sempre escrevi e li por aí a palavra francesa ‘pout-pourri’, mistura de várias músicas em sequência. Aí veio um colega mais velho e me corrigiu, dizendo que é ‘pot-pourri’! Respeito muito esse colega, que sempre me deu bons toques, mas essa eu nunca tinha ouvido! Será […]
“Sou jornalista e desde que me entendo por gente sempre escrevi e li por aí a palavra francesa ‘pout-pourri’, mistura de várias músicas em sequência. Aí veio um colega mais velho e me corrigiu, dizendo que é ‘pot-pourri’! Respeito muito esse colega, que sempre me deu bons toques, mas essa eu nunca tinha ouvido! Será que ele está certo e todo mundo errado?” (Marilza Coutinho)
Sim, o colega de Marilza está certo. A forma “pout-pourri”, que não existe nem teria como fazer sentido em sua língua original, é de longe o erro mais disseminado no Brasil entre as muitas palavras que importamos do francês.
A palavra correta é pot-pourri, de pot (pote ou panela) + pourri (podre). Segundo o Trésor de la Langue Française, surgiu em 1564 com o sentido de ragu, ensopado de carne com legumes, numa tradução literal do espanhol olla podrida, de significado idêntico.
A ideia de mistureba puxou a expansão metafórica de pot-pourri, que não demorou a adquirir a acepção de obra artística composta de trechos de outras obras. Esse salto semântico leva no mesmo dicionário as datas de 1694 para a literatura e 1711 para a música. No Brasil, o sentido que pegou foi mesmo o musical. Nas últimas décadas, pot-pourri vem sofrendo a concorrência do inglês medley.
No entanto, é difícil encontrar um brasileiro que escreva pot-pourri (pronuncia-se popurri) em vez de pout-pourri (pronuncia-se pupurri). Como será que se consolida de modo tão acachapante um erro desses, uma vez que a palavra “pout” nem existe em francês?
É um mistério. Mas eu apostaria que a explicação tem alguma coisa a ver com nossa pressa em adotar termos estrangeiros para enfeitar a linguagem, dispensando-nos do trabalho de verificar onde e como está cantando o galo. A mesma pressa que transformou o inglês making of no brasileiríssimo e absurdo making off, do qual já falei aqui na coluna.
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