Por que dizer ‘em função’ quando se pode dizer ‘por causa’?
“Por que nada mais acontece no mundo ‘por causa’ de alguma coisa? Ouvindo notícias pelo rádio ou lendo jornais, percebo que hoje em dia as coisas acontecem ’em função’ de alguma coisa. Lá vem a notícia: O trânsito está complicado na Marginal do Pinheiros em função de um acidente etc, etc.. Amanhã haverá queda de […]
“Por que nada mais acontece no mundo ‘por causa’ de alguma coisa? Ouvindo notícias pelo rádio ou lendo jornais, percebo que hoje em dia as coisas acontecem ’em função’ de alguma coisa. Lá vem a notícia: O trânsito está complicado na Marginal do Pinheiros em função de um acidente etc, etc.. Amanhã haverá queda de temperatura em função de uma frente fria etc, etc.. O jornalista de rádio é especialmente amante dessa expressão. Eles adoram enfiar o “em função” numa notícia. Que chateação…” (José Mariano Crochiquia)
É compreensível o aborrecimento que o leitor declara sentir diante da moda de usar “em função de” – como também “por conta de”, embora isso ele não mencione – no lugar de “por causa de”. O que não quer dizer que haja aí um erro gramatical. Nem só de certo e errado vivem as escolhas que fazemos na linguagem.
O que parece incomodar José Mariano é o modismo, o excesso. É possível que por trás da disseminação das locuções “em função de” e “por conta de” com o papel de exprimir relação de causa haja mesmo certa pose, a sensação de que tais fórmulas são mais chiques, reveladoras de um melhor grau de instrução, do que o prosaico “por causa de” – provavelmente comprometido em muitos ouvidos por aquela locução popular e gramaticalmente equivocada, “por causa que”.
O fato é que não existe erro naquelas opções. Embora se possa apontar uma imprecisão maior em “em função de” e “por conta de”, que abrangem (sobretudo o último) um arco semântico amplo, um de seus sentidos tradicionais e dicionarizados é mesmo “em decorrência de, em consequência de”. Os jornalistas de rádio citados por José Mariano estão desculpados, portanto. Mas talvez devessem tomar mais cuidado com vícios de expressão que, como se vê, podem acabar alienando ouvintes.
Para citar um caso pessoal, confesso que andei abusando de “por conta de” alguns anos atrás. Quando me dei conta (opa!) disso, não o abandonei, mas passei a ficar atento para dividir seu trabalho com “graças a”, “por causa de”, “devido a” (que puristas de polainas um dia condenaram como galicismo) e outras possibilidades que a língua oferece. Ninguém vai dizer, afinal, que a monotonia seja uma virtude.