Por que dizemos ‘obrigado’ quando agradecemos?
“Por que a língua portuguesa obriga a gente a usar a palavra ‘obrigado’ na hora de agradecer alguma coisa? Não é esquisito, quando paramos para pensar nisso? Acho até grosseiro, pois dá a entender que a pessoa só fica grata porque é forçada. Onde está a obrigação? E outra dúvida: uma mulher pode dizer ‘obrigado’ […]
“Por que a língua portuguesa obriga a gente a usar a palavra ‘obrigado’ na hora de agradecer alguma coisa? Não é esquisito, quando paramos para pensar nisso? Acho até grosseiro, pois dá a entender que a pessoa só fica grata porque é forçada. Onde está a obrigação? E outra dúvida: uma mulher pode dizer ‘obrigado’ ou deve sempre dizer ‘obrigada’?” (Viviane Assis)
O sentido de obrigado como fórmula de agradecimento é literal. O que faz com que Viviane o estranhe – no que tem a companhia de muita gente – é o fato de que a palavra, inicialmente um adjetivo, vem ganhando nesse caso uma autonomia de interjeição. Perde-se na memória coletiva a construção que a levou a ser empregada em tal papel.
O particípio do verbo obrigar (do latim obligare, “ligar por todos os lados, ligar moralmente”) expressa o reconhecimento de uma dívida entre quem recebe um favor ou gentileza e quem o faz – ambos, dessa forma, ligados, atados, presos por um laço moral.
A frase completa seria “fico-lhe obrigado”, ou seja, “passo, a partir deste momento, a ser seu devedor”. Na linguagem jurídica, obrigado é também um substantivo que significa “sujeito passivo de uma obrigação”, isto é, de uma dívida ou outro compromisso contratual.
Sobre a segunda dúvida de Viviane, farei aqui um resumo do que respondi em 2010 a um leitor impressionado com o número de mulheres que dizem “obrigado”. Do ponto de vista da tradição, trata-se simplesmente de um erro, um sinal de desleixo com o idioma. Se obrigado é um adjetivo, exige que se apliquem a ele as flexões cabíveis de número e gênero: obrigada, obrigados, obrigadas.
Ocorre que o papel de adjetivo, como eu disse acima, vem se perdendo na palavra quando a empregamos com o sentido de “grato”. Hoje o termo costuma ser usado como interjeição, o que torna natural que seja compreendido como invariável. Aquilo que de certo ponto de vista é um erro indiscutível também pode ser encarado como uma mutação linguística em curso.
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