Por que ‘desinfeliz’ não quer dizer… feliz?
“Prezado professor, nunca entendi a palavra ‘desinfeliz’, que os dicionários dizem que significa o mesmo que infeliz. Não deveria ser o contrário? Se a desonra é o oposto da honra, e a desgraça o oposto da graça, desinfeliz não devia ser… feliz? Nossa língua é mesmo tão ilógica como dizem? Vou ficar feliz se puder […]
“Prezado professor, nunca entendi a palavra ‘desinfeliz’, que os dicionários dizem que significa o mesmo que infeliz. Não deveria ser o contrário? Se a desonra é o oposto da honra, e a desgraça o oposto da graça, desinfeliz não devia ser… feliz? Nossa língua é mesmo tão ilógica como dizem? Vou ficar feliz se puder ter um esclarecimento.” (Helena Baptista)
Cara Helena, nossa língua não é “ilógica”, fique tranquila. Que tem sutilezas e caprichos, isso tem mesmo, o que é parte de seu encanto. O caso de “desinfeliz” é realmente interessante.
O prefixo português des- – que não se sabe com certeza como surgiu, embora uma origem latina seja certa – é um prolífico formador de palavras. Seu sentido se divide em dois lados, um negativo e um positivo, o que, diga-se de passagem, está longe de ser uma anomalia: é comum que prefixos tenham múltiplos sentidos.
O grupo de palavras em que des- vai, digamos, contra o vocábulo ao qual se acopla é bem mais numeroso. Na maior parte delas exprime uma oposição ou uma ausência: “desfazer”, “desamparo”, “descortesia”, “desmedido” etc. Neste grupo negativo aparecem ainda termos em que o prefixo não indica propriamente uma negação, mas um movimento de separação, de afastamento: “desembolsar”, “descarrilar”, “descascar”.
Ocorre que há também o grupo oposto, minoritário, em que o des-, ao invés de negar, reforça, intensifica o sentido da palavra à qual se une. Isso ocorre em “desinfeliz”, “desafastar” e “desabalado”, por exemplo. Com poucas exceções, são palavras pouco usadas na língua de hoje, provavelmente porque vão de encontro à sólida reputação negativa que o des- adquiriu.
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