Por que ‘com mim’ virou ‘comigo’?
“Usamos ‘sem mim’ e não ‘sem eu’. Mas como ‘com mim’ virou ‘comigo’? E ‘com eu’ e ‘sem eu’ estão totalmente descartados?” (Duda Cardoso) “Com eu” e “sem eu” estão descartados porque o pronome pessoal neste caso, não sendo sujeito, deve ser oblíquo (mais sobre isso aqui). Passemos então à questão realmente interessante da consulta […]
“Usamos ‘sem mim’ e não ‘sem eu’. Mas como ‘com mim’ virou ‘comigo’? E ‘com eu’ e ‘sem eu’ estão totalmente descartados?” (Duda Cardoso)
“Com eu” e “sem eu” estão descartados porque o pronome pessoal neste caso, não sendo sujeito, deve ser oblíquo (mais sobre isso aqui). Passemos então à questão realmente interessante da consulta de Duda: por que “com mim” virou “comigo” é uma história curiosa que se passa no século XIII, na transição entre o português antigo e o moderno.
Em textos arcaicos usava-se nesses casos a forma migo – e também tigo (segunda pessoa do singular), sigo (terceira do singular), nosco (primeira do plural) e vosco (segunda do plural).
A ideia de “com” estava embutida em todas essas palavras desde o latim que lhes dera origem. Migo, por exemplo, era um termo oriundo de mecum, ou seja, me + cum, termo em que a preposição cum vinha aglutinada após o pronome. O mesmo processo ocorreu nos outros vocábulos citados no parágrafo anterior, variando apenas o pronome.
Ocorre que a noção do papel relacional desse cum não demorou a se perder, levando os falantes ao uso de uma preposição anteposta, com + migo, para reforçar a pretendida ideia de companhia. O que nasceu como um pleonasmo escandaloso – com + mim + com – acabou virando lei.
Posso imaginar os sabichões medievais horrorizados com tal “erro”, prevendo a decadência irremediável da língua nas redes sociais da época, conhecidas como adegas e casas de pasto.
Como sempre ocorre com os sabichões, aqueles também estavam enganados.
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