Pirata: no mar das línguas, o empreendedor sem bandeira
O debate sobre as propostas de legislação antipirataria em discussão no Congresso dos EUA (leia um apanhado geral aqui) pôs em evidência um sentido relativamente novo para uma palavra antiga: pirata. Mas como foi que o corsário, o bucaneiro, bandido temido por séculos nos oceanos do mundo e que tem sua encarnação pop mais famosa […]

O debate sobre as propostas de legislação antipirataria em discussão no Congresso dos EUA (leia um apanhado geral aqui) pôs em evidência um sentido relativamente novo para uma palavra antiga: pirata. Mas como foi que o corsário, o bucaneiro, bandido temido por séculos nos oceanos do mundo e que tem sua encarnação pop mais famosa no Jack Sparrow da série cinematográfica “Piratas do Caribe” (foto), como foi que o filibusteiro se transformou no pirata da era eletrônica?
Por metáfora, claro. Ou melhor, por uma série de metáforas, uma expansão gradual de sentido que teve como motores as ideias de rapinagem, ilegalidade, ousadia e oportunismo. Antes mesmo de se estabelecer no mundo digital, o sentido hoje em evidência estava maduro: o termo pirata passou a designar em algum momento do século 20 a atividade de copiar analogicamente obras artísticas – discos, livros etc. – sem o pagamento de direitos autorais. Antes ainda, já se registravam em português as acepções de ladrão (genérico), trapaceiro, malandro, arrivista e até namorador.
Todos esses sentidos são derivados do significado original de aventureiro dos mares com o qual a palavra desembarcou em nossa língua em princípios do século 16 – e quem quiser imaginar um desembarque de espada nos dentes, pode. Após uma tabelinha com o italiano pirata, ela vinha em última análise do grego peirates, “aquele que tenta (um golpe), que se arrisca” – palavra que, assim como os vocábulos perigo, perícia e experiência, tem relações de parentesco com o grego peirá, “tentar, empreender”.
Quer dizer que bem no fundo do pirata dorme um empreendedor? É curioso que, falando de pirate, o American Heritage Dictionary destaque entre seus traços distintivos o fato de que ele matava e pilhava por conta própria, isto é, sem estar a serviço de uma “nação soberana”. Ou seja: o que fazia do pirata um bandidão não eram propriamente suas ações, mas a falta de uma bandeira que as legitimasse.