Pandemônio, zona, caos
Ilustração de Gustave Doré para ‘Paraíso Perdido’, de John Milton: ‘A queda de Satã’ Preciso confessar que simpatizo com a palavra pandemônio. Não por seu sentido primário (“associação de pessoas para praticar o mal ou promover desordens e balbúrdias”), que só vim a conhecer mais tarde. Minha simpatia é pelo inocente sentido figurado (“mistura confusa […]

Preciso confessar que simpatizo com a palavra pandemônio. Não por seu sentido primário (“associação de pessoas para praticar o mal ou promover desordens e balbúrdias”), que só vim a conhecer mais tarde. Minha simpatia é pelo inocente sentido figurado (“mistura confusa de pessoas ou coisas; confusão”, sempre segundo o Houaiss) que na minha infância servia para designar até desordens de pequena monta no armário de brinquedos. “Que pandemônio! Arruma isso já!”
Não sei se a palavra ainda frequenta com a mesma desenvoltura o vocabulário familiar brasileiro. Parece provável que desde então tenha perdido espaço de um lado para o chulo “zona”, que dispensa explicações, e do outro para o científico “caos”, do grego kháos (o espaço infinito, o indeterminado).
É uma pena, porque o expressivo substantivo tem uma alma nobre que, além de obviamente religiosa, é literária. Consta que Pandemonium foi um vocábulo inventado com ingredientes importados da Grécia (pan + daimon, isto é, “todos os demônios”) pelo poeta inglês John Milton (1608-1674) em seu clássico “Paraíso Perdido”.
A obra de Milton é um longo poema épico (doze volumes!) centrado nos personagens de Deus, Adão, Eva e Satã – este, sussurram seus leitores desde que o livro foi publicado, em 1667, chega a ser mais importante que os outros três, retratado pelo autor com mal disfarçados traços heroicos.
O tal Pandemonium aparece já no primeiro capítulo: é o palácio em que funciona o centro administrativo do Inferno, assim chamado porque lá se reúnem, nas palavras de Milton, “Satã e seus comparsas”. Imagine o pandemônio.