Onde se cruzam o trevo, o trivial e a trívia
Cary Grant numa encruzilhada de ‘Intriga internacional’, que de trivial não tem nada Tudo começou, como tantas vezes ocorre na nossa e em muitas outras línguas, no latim. Três vias (tri + via), três caminhos, formaram um trivium, definido pelo dicionário Saraiva como “lugar em que se juntam três ruas ou três caminhos, encruzilhada”. Também […]

Tudo começou, como tantas vezes ocorre na nossa e em muitas outras línguas, no latim. Três vias (tri + via), três caminhos, formaram um trivium, definido pelo dicionário Saraiva como “lugar em que se juntam três ruas ou três caminhos, encruzilhada”. Também se usa em português, há pouco mais de um século, um sinônimo que se aproxima etimologicamente do termo latino, embora por muito tempo tenha sido empregado sobretudo com sentido botânico: trevo.
Trivium – um vocábulo de vocação indiscutivelmente espacial, como se vê – deu origem no próprio latim ao adjetivo trivialis, onde fomos buscar no século 17 nosso “trivial”. Curiosamente, essa palavra latina foi empregada desde o início em sentido figurado, expressando um julgamento de valor em vez de uma localização: trivialis significava basicamente aquilo viria a significar trivial, ou seja, “que é do conhecimento de todos; corriqueiro, vulgar; que é muito usado, repetido, batido; que não revela maiores qualidades; ordinário” (Houaiss).
Isso se baseia na ideia de que só coisas vulgares ou grosseiras ocorrem nas encruzilhadas, “onde todo mundo pode passar”, como anota o Webster’s etimológico ao tratar do inglês trivial, outro descendente do adjetivo latino. O dicionário acrescenta: “A ideia de que as pessoas frequentemente se detêm nos pontos onde os caminhos se cruzam para passar o tempo em conversas inconsequentes também pode ter influenciado o desenvolvimento de tal sentido”.
E assim chegamos ao ponto em que o trivial se cruza com o substantivo trívia, uma palavra ainda emergente em português, à espera de um abrigo nos dicionários, mas já consolidada no vocabulário urbano jovem das últimas décadas. Trívia é um empréstimo do inglês trivia – forma abreviada de trivialities, “trivialidades”, surgida no início do século 20 – e tem o sentido de “conjunto de informações e curiosidades de pouca ou nenhuma relevância (mas saborosas)”. Trata-se, portanto, de um sinônimo da popular expressão “cultura inútil”.