O tribunal, o tribuno e a tribo
Martelo batido: na cabeça de quem? (Thinkstock) A emenda constitucional, aprovada pelo Congresso, que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais – motivo de um violento puxão de orelhas público aplicado pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, em líderes de associações de classe dos juízes federais – traz à baila a palavra tribunal. […]

A emenda constitucional, aprovada pelo Congresso, que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais – motivo de um violento puxão de orelhas público aplicado pelo ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, em líderes de associações de classe dos juízes federais – traz à baila a palavra tribunal. Todo mundo sabe o que significa: “lugar em que se realizam audiências judiciais e se fazem os julgamentos” (Houaiss). Mas de onde veio? Sua história pode nos ensinar alguma coisa sobre a crise atual?
Creio que sim. Como quase tudo no vocabulário da justiça – e a maior parte do que se encontra no português em geral – a matriz do nosso tribunal, palavra de meados do século XVI, é latina. A grafia já era a mesma na língua de Cícero, tribunal, e o sentido, em linhas gerais, também: “tribunal, assento dos juízes”, informa o dicionário Saraiva na primeira acepção. É quando buscamos a origem da palavra em latim que começam a se acender algumas luzes sobre o espírito que comandou seu surgimento.
O Saraiva ensina que tribunal nasceu de tribunus, vocábulo que por sua vez era um derivado de tribus. Tribunus, de onde tiramos “tribuno”, era o representante do povo nas altas rodas políticas: nas palavras do Houaiss, “magistrado que, na antiga Roma, estava encarregado de defender os direitos e interesses do povo junto ao Senado”. Era a princípio quem falava pela tribo (tribus, correspondente a cada uma das unidades territoriais em que era dividido o povo romano).
Um dos sentidos moderninhos de tribo, como se sabe, é figurado e bem diferente da matriz latina. Fala-se informalmente na tribo dos surfistas, na tribo dos metaleiros, na tribo dos naturebas, e em nenhum desses casos a palavra tem qualquer relação, mesmo remota, com a ideia de povo, de sociedade em geral, de coletividade local, regional ou nacional. A mesma lógica vale para o espírito corporativista de farinha-pouca-meu-pirão-primeiro que uma parte expressiva – e por enquanto vitoriosa – do Judiciário volta a demonstrar nesse caso. Nossos tribunos são grandes defensores da tribo dos tribunos.