O parentesco da lascívia com o relaxamento
A lasciva Jessica Rabbit de “Uma cilada para Roger Rabbit”, filme de 1988: quanta carnalidade para um desenho animado! Sempre gostei do adjetivo lascivo e do substantivo correspondente, lascívia. Essas palavras têm uma sensualidade que não parece vir apenas do sentido, mas de seu próprio corpo sonoro – embora seja impossível, claro, separar uma coisa […]

A lasciva Jessica Rabbit de “Uma cilada para Roger Rabbit”, filme de 1988: quanta carnalidade para um desenho animado!
Sempre gostei do adjetivo lascivo e do substantivo correspondente, lascívia. Essas palavras têm uma sensualidade que não parece vir apenas do sentido, mas de seu próprio corpo sonoro – embora seja impossível, claro, separar uma coisa da outra.
Como se sabe, lascivo significa “libidinoso, sensual, voluptuoso, lúbrico, fescenino, obsceno, indecoroso, dissoluto, imoral, devasso, indecente” – é impressionante como as línguas costumam multiplicar em sinônimos aquilo que a moral condena. Deve haver alguma lógica de compensação nisso.
A curiosidade etimológica, nesse caso, está concentrada no percurso cumprido pelo adjetivo lascivus no latim clássico, muito tempo antes de a palavra penetrar em nosso idioma em fins do século XVI com a grafia lasciuos.
O sentido básico de lascivus era mais leve do que o que nos chegou. O termo queria dizer a princípio “saltitante, galhofeiro, brincalhão, alegre, jovial, vivaz”, embora fosse empregado também, por extensão, com o significado de “petulante, atrevido, impertinente”.
Lascivus era uma palavra derivada, com alteração de grafia, do adjetivo laxus, “amplo, largo, frouxo, aberto, solto” – o mesmo que conservamos bem vivo em vocábulos como relaxamento e laxante.
Foi pela ideia de relaxamento moral, de frouxidão de princípios, de abertura excessiva aos prazeres sensuais, que poetas clássicos como Horácio e Ovídio chegaram ao emprego de lascivus com sentido abertamente negativo, de “devasso, dissoluto” a “desonesto, torpe”.