O ostracismo e as ostras
O ostracismo, isto é, o desterro social, o gelo a que se condena uma pessoa, é uma palavra que desembarcou em nossa língua no século 16. Descendia, por meio do latim ostracismus, do grego ostrakhismós, de sentido mais restrito do que aquele que, por expansão e figuração, a palavra acabaria adquirindo entre nós. O ostrakhismós […]

O ostracismo, isto é, o desterro social, o gelo a que se condena uma pessoa, é uma palavra que desembarcou em nossa língua no século 16. Descendia, por meio do latim ostracismus, do grego ostrakhismós, de sentido mais restrito do que aquele que, por expansão e figuração, a palavra acabaria adquirindo entre nós. O ostrakhismós era o desterro político a que, por voto direto, a democracia ateniense podia condenar qualquer um de seus cidadãos. Durava dez anos e, como observa o Houaiss, “não importava ignomínia, desonra nem confiscação de bens”. Tratava-se, pelo menos em tese, de uma manobra asséptica e defensiva, destinada a isolar qualquer pessoa que se acreditasse ter a capacidade e a intenção de atentar contra a ordem pública.
A curiosidade maior vem agora: como uma pérola, o ostracismo nasceu da ostra. Ou, para tornar a fórmula mais precisa e menos pitoresca: ostrakhismós é uma palavra derivada de ostrakon, termo genérico que nomeava uma série de objetos duros, rígidos, inflexíveis, e que guardava tanto o sentido de concha quanto o de casco (de tartaruga) e caco (de cerâmica). Dessa matriz brotaram óstreon e ostéon – que, sempre depois de uma tabelinha com o latim, deram origem respectivamente aos nossos vocábulos ostra e osso.
Mas o que o ostracismo tem a ver com a ostra, afinal? Quem apostar numa relação metafórica entre o isolamento social do banido e a solidão de um molusco fechado em sua concha estará cometendo um erro – compreensível, mas não menos errado por isso. A relação é metonímica e só pode ser recuperada à luz da história antiga: para decidir quem seria condenado ao ostracismo, os cidadãos atenienses escreviam seus votos em caquinhos que depositavam numa urna. Alguns dicionaristas veem nesse ostrakon-cédula, que decidia o ostrakhismós, uma concha de ostra propriamente dita untada de cera; outros são menos precisos ou optam por cacos de cerâmica.