O fuleiro e o foleiro
Com seu amplo espectro de sentidos negativos que vai de “medíocre” a “cafona”, passando por “não confiável” e “que não tem valor” (Houaiss), a palavra fuleiro é considerada por muita gente uma gíria brasileira. Não é bem o caso, mas sua história apresenta complicações surpreendentes. Vamos a elas. Termo de ampla penetração na linguagem informal, […]
Com seu amplo espectro de sentidos negativos que vai de “medíocre” a “cafona”, passando por “não confiável” e “que não tem valor” (Houaiss), a palavra fuleiro é considerada por muita gente uma gíria brasileira. Não é bem o caso, mas sua história apresenta complicações surpreendentes. Vamos a elas.
Termo de ampla penetração na linguagem informal, familiar, fuleiro é um vocábulo relativamente antigo (ainda que de datação imprecisa) e muito semelhante àquele que, em Portugal, tem a grafia “foleiro”. Sim, estou falando de grafias dicionarizadas, não de variações populares.
Essa diferença teria pouca importância se não apontasse uma discrepância radical quanto aos caminhos etimológicos de foleiro e fuleiro, a ponto de ser legítimo supor que estamos diante de duas palavras diferentes e não de variantes do mesmo vocábulo.
Em Portugal, costuma-se dar como certo que a palavra deriva diretamente de fole, por uma extensão pejorativa do sentido de foleiro, “pessoa que faz ou vende foles”. Os etimologistas brasileiros preferem ligar “fuleiro” ao espanhol fullero, “enganador”, um sentido que também brotou por extensão da acepção de fabricante de foles – ou, no caso, fuelles.
Até aí parece que estamos diante de dois caminhos que levam ao mesmo lugar, não? Ocorre que os sentidos do fuleiro brasileiro (o foleiro português, “que tem mau gosto, desprezível”, é semanticamente mais restrito) são muito mais próximos dos de outro vocábulo espanhol, que nada tem a ver com foles: fulero, com um l só, é, segundo o filólogo catalão Joan Corominas, ligado ao cigano ful, “esterco, porcaria”.
Sobre esse fulero vale a pena conferir os sentidos listados no Novísimo Diccionario Lunfardo, de José Gobello e Marcelo H. Oliveri: “ruim; falso, que imita maliciosamente o genuíno; feio; barato, de pouco valor”. Incrivelmente precisos, certo?
Depois disso, acho difícil negar que o brasileiro fuleiro e o português foleiro têm raízes distintas, ainda que, ao longo da história, uma palavra possa ter se confundido com – e exercido influência sobre – a outra.
Como curiosidade final, registre-se que Nei Lopes apresentou para fuleiro uma tese africana: o termo seria ligado de alguma forma ao quicongo mfulu, “pessoa que perdeu tudo”. Uma hipótese débil diante do que foi exposto acima.