O fado e o enfado
“Enfado”, palavra que se poderia chamar de literária ou no mínimo culta, é elegantemente expressiva. O Houaiss a define assim: “1. sensação de tédio, de fadiga espiritual; mal-estar causado por algo que enfada ou entedia; 2. estado de espírito em que predomina o aborrecimento, o agastamento, a zanga”. Sim, saiu daí mesmo o adjetivo “enfadonho”, […]

“Enfado”, palavra que se poderia chamar de literária ou no mínimo culta, é elegantemente expressiva. O Houaiss a define assim: “1. sensação de tédio, de fadiga espiritual; mal-estar causado por algo que enfada ou entedia; 2. estado de espírito em que predomina o aborrecimento, o agastamento, a zanga”. Sim, saiu daí mesmo o adjetivo “enfadonho”, que qualifica aquilo que é aborrecido, chato.
A curiosidade da palavra, datada de 1664 pelo Houaiss, está em sua origem controversa. Ninguém discute que o enfado nasceu, por derivação regressiva, do velhíssimo verbo “enfadar”, existente desde o século XIII, mas este dá ensejo a uma boa discussão.
Uma tese etimológica antiga liga o enfado ao latim fatuus, “fátuo, insípido, tolo”. O filólogo catalão Joan Corominas discorda dela e levanta a hipótese – mais consistente do ponto de vista semântico, a meu ver – de uma origem em “fado”, isto é, “destino, especialmente o desfavorável”, termo originado do latim fatum, “profecia”, e sem relação alguma com fatuus.
O sentido que conecta com o fado o ato de enfadar-se, segundo Corominas, é “provavelmente o de entregar-se à fatalidade, ceder a ela e nela encontrar desculpa” para o tédio, o cansaço, o abatimento da vontade.
A importância do fado na cultura portuguesa parece dar razão ao estudioso catalão. Além de batizar o bonito e tristíssimo gênero musical que é típico do país (e que tem em Amália Rodrigues seu grande expoente), a palavra ganhou em princípios do século XIX esta significativa acepção: “enfado ou mau humor; zanga passageira; arrufo”.