O curioso parentesco do míssil com a missa
Soldados norte-coreanos se preparam para a guerra (KNCA/Reuters) Os mísseis que a Coreia do Norte estaria pronta para lançar a qualquer momento – e que poderiam atingir a base americana de Guam – deram à semana um clima tenso de ameaça nuclear que não se via no noticiário internacional desde a Guerra Fria. Continua após […]

Os mísseis que a Coreia do Norte estaria pronta para lançar a qualquer momento – e que poderiam atingir a base americana de Guam – deram à semana um clima tenso de ameaça nuclear que não se via no noticiário internacional desde a Guerra Fria.
Enquanto Coreia do Sul e Estados Unidos ativam seus sistemas de defesa, a coluna intercepta os mísseis norte-coreanos ao seu modo: pelo aspecto linguístico da questão. E revela um parentesco etimológico que, se não chega a ser explosivo, é certamente inusitado: o das palavras míssil e missa.
Míssil é uma palavra anterior ao artefato bélico de tecnologia avançada que denomina. Nasceu no latim missilis, um adjetivo que significava “que é de atirar”, segundo o dicionário Saraiva. Ou seja: que é feito para ser arremessado. Uma pedra que se jogasse em alguém era chamada de missilis lapis. O Houaiss registra como vivo esse papel adjetivo da palavra míssil, mas ressalva que é “pouco usado”.
Um sentido mais próximo do que hoje é dominante – de foguete ou bomba autopropulsionada – foi atestado pela primeira vez no inglês missile em 1738, segundo o dicionário etimológico de Douglas Harper, enquanto a acepção mais moderna de foguete teleguiado teria que esperar até o fim da Segunda Guerra para surgir.
O elo entre o míssil e a missa é fornecido por um antepassado de numerosa descendência: o verbo latino mittere, que, embora tenha dado diretamente no português “meter”, tinha sentido um pouco mais amplo: “mover, tocar, fazer andar, impelir, dirigir, atirar, lançar; introduzir; pôr”.
Mittere e seu particípio passado, missum, estão por trás de uma grande quantidade de palavras de nossa língua, da demissão ao comissário, da submissão à promessa. O míssil e a missa são dois deles.
A ligação do primeiro com a ideia de “atirar, lançar” é evidente, mas a da missa guarda mais sutileza. Em latim, os sacerdotes encerravam antigamente a celebração eucarística com a seguinte frase: “Ite, missa est”, isto é, “Ide, foi enviada” – ou seja, a prece foi lançada aos céus e Deus vai recebê-la.