O cassado quer ser caçador
Demóstenes: esvaziado, oco (Antônio Cruz/ABr) Após ter seu mandato cassado, o ex-senador Demóstenes Torres foi imediatamente reintegrado ao Ministério Público de Goiás, onde – a menos que uma medida legal o impeça – estará na curiosa posição de caçar malfeitorias. E, portanto, de se tornar uma ilustração viva tanto da profunda diferença quanto da confusão […]

Após ter seu mandato cassado, o ex-senador Demóstenes Torres foi imediatamente reintegrado ao Ministério Público de Goiás, onde – a menos que uma medida legal o impeça – estará na curiosa posição de caçar malfeitorias. E, portanto, de se tornar uma ilustração viva tanto da profunda diferença quanto da confusão que falantes desavisados fazem entre os verbos cassar e caçar.
Cassar, como se sabe, significa “anular, revogar; privar de, apreender”. É uma palavra do português medieval, datada do século 13 e derivada do verbo latino cassare, “invalidar, tornar sem efeito; refutar completamente, desfazer o argumento contrário” (dicionário Saraiva).
O verbo que nomeia a atividade do caçador surgiu mais ou menos na mesma época em nosso idioma, mas a semelhança entre as duas palavras termina aí. Se cassar descende do latim clássico, o termo que deu origem a caçar é um verbo do latim vulgar, captiare, vindo por sua vez de captare, “apanhar, agarrar”. Isso mesmo: embora não pareça a olho nu, caçar é primo de captar.
A história de cassar também é interessante. O verbo cassare formou-se a partir do particípio passado (cassus) de outro verbo, carere, “ter falta de alguma coisa que se deseja; estar privado, isento de” (Saraiva outra vez).
Ora, carere é bem o que parece, antepassado do nosso carecer. Cassus, o adjetivo a que deu origem, tinha o significado de “privado de”, e por extensão de “vácuo, despejado, vazio; vão, inútil, sem préstimo”.
Cassar, na sua pureza etimológica, sugere a ação de esvaziar, tornar inútil e vão, reduzir a uma casca oca. Mesmo que o Ministério Público resolva providenciar um novo recheio.