O cachê dos artistas não nasceu debaixo do pano
Não é fácil derrotar a lenda etimológica bilíngue que fantasia uma relação – inexistente – entre nosso substantivo cachê (“remuneração que ator, músico ou outro artista recebe por apresentação”, segundo o Houaiss) e o adjetivo francês caché, que significa “escondido” (particípio de cacher, “ocultar”). O que torna tal lenda especialmente resistente aos desmentidos é o […]
Não é fácil derrotar a lenda etimológica bilíngue que fantasia uma relação – inexistente – entre nosso substantivo cachê (“remuneração que ator, músico ou outro artista recebe por apresentação”, segundo o Houaiss) e o adjetivo francês caché, que significa “escondido” (particípio de cacher, “ocultar”).
O que torna tal lenda especialmente resistente aos desmentidos é o fato de que soa plausível. Na verdade, mais plausível até do que a explicação verdadeira. Imagina-se que a dita remuneração tenha recebido a qualificação de “oculta” por ser feita, como se diz, por baixo do pano, fora da vista do fisco e outros xeretas.
O problema é que a verossimilhança não é critério de verdade. Todos os etimologistas sérios nos informam que fomos buscar a palavra cachê em outro vocábulo francês: o substantivo cachet, que tem, entre outras, a idêntica acepção de pagamento feito a artistas a cada apresentação.
Não era esse o sentido original de cachet, que inicialmente queria dizer apenas “sinete, carimbo”. A expansão semântica que resultou no significado que importamos incluiu, por metonímia, a acepção de carnê de controle de pagamentos, bloquinho de folhas carimbadas que iam sendo destacadas a cada acerto de contas.