‘Não deu em nada’ está certo?
“Caro Sérgio, tenho observado continuamente que a expressão ‘não dá em nada’ é muito utilizada no dia a dia. Fazendo uma comparação, é o mesmo que dizer ‘não deu em zero’. Ora, pois, se não deu em zero, deu em alguma coisa, e o correto é: ‘Deu em nada’.” (Irineu Souza) Não há nada errado […]
“Caro Sérgio, tenho observado continuamente que a expressão ‘não dá em nada’ é muito utilizada no dia a dia. Fazendo uma comparação, é o mesmo que dizer ‘não deu em zero’. Ora, pois, se não deu em zero, deu em alguma coisa, e o correto é: ‘Deu em nada’.” (Irineu Souza)
Não há nada errado com a construção que incomoda Irineu. O que ele estranha em “Não dá em nada” é uma característica que o português traz do berço e que compartilha com outras línguas: a dupla negação (presente inclusive, vale observar, na frase anterior).
Irineu tem numerosa companhia. Sempre que trato da dupla negação – que foi tema desta coluna em 2010, por exemplo, no post Negar duas vezes é negar ou não? –, desperto reações mais ou menos violentas de leitores que não se conformam com tal atentado à “lógica”, como se duas palavras negativas devessem necessariamente gerar uma proposição positiva.
Trata-se de uma impressão de leigos. Línguas naturais não são “ilógicas”, mas têm lógica própria, e quem as estuda sabe que a negação reiterada numa construção como “Não dá em nada” sempre foi compreendida como reforço. Não se trata de uma excentricidade do português. O mesmo ocorre em francês (ne… pas) e até no inglês popular (I can’t get no satisfaction), entre outros idiomas. A suposta ilogicidade é uma falsa questão.
Em sua “Gramática histórica da língua portuguesa”, o eminente filólogo Said Ali escreveu que, no português medieval, a dupla negação já representava uma economia, pois “os escritores antigos, e ainda alguma vez os quinhentistas, empregavam sem restrições a negação dupla, e até tríplice, com efeito reforçativo”. Pois é: negação tríplice (“Ninguém não fez nada”), eis aí uma construção que se deve evitar.
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