Mulher que diz ‘obrigado’ deve ser obrigada a mudar?
“Venho reparando que muitas mulheres, quando vão agradecer alguma coisa, dizem ‘obrigado’. Elas não deveriam dizer ‘obrigada’? Sempre achei que sim, mas de repente fiquei na dúvida. Ou esse é mais um daqueles casos que você já comentou de ‘tanto faz como tanto fez’?” (Luis Claudio Coimbra) A dúvida de Luis Claudio denota um bom […]
“Venho reparando que muitas mulheres, quando vão agradecer alguma coisa, dizem ‘obrigado’. Elas não deveriam dizer ‘obrigada’? Sempre achei que sim, mas de repente fiquei na dúvida. Ou esse é mais um daqueles casos que você já comentou de ‘tanto faz como tanto fez’?” (Luis Claudio Coimbra)
A dúvida de Luis Claudio denota um bom ouvido. Não conheço pesquisas linguísticas que quantifiquem o fenômeno, mas minha própria experiência confirma sua impressão: acredito não serem poucas as mulheres brasileiras que, pelo menos nos últimos tempos, têm recorrido a “obrigado” – assim mesmo, no masculino – como fórmula de agradecimento.
Do ponto de vista da tradição, trata-se simplesmente de um erro, um sinal de desleixo com o idioma. A maioria dos falantes nunca parou para pensar nisso, mas o sentido de nossa mais consagrada fórmula de agradecimento é “fico-lhe obrigado”, isto é, “passo, a partir deste momento, a ser seu devedor”. Logo se vê que obrigado, aí, é um adjetivo. Naturalmente, exige que a ele se apliquem as flexões cabíveis de número e gênero: obrigada, obrigados, obrigadas.
Acontece que esse papel de adjetivo vem se perdendo há muito tempo na palavra obrigado quando a empregamos com o sentido de “grato”. Hoje o termo costuma ser usado como interjeição, o que torna natural que seja compreendido como invariável.
Portanto, o que de um certo ponto de vista é um erro indiscutível também pode ser encarado como uma mutação lingüística em curso.