Menos palavras, menos inteligência? Não exatamente
Poucas coisas são intelectualmente mais refrescantes do que uma ideia sensata e bem-informada que, quando menos se espera, surge na arena para contrariar um axioma duvidoso – mas aparentemente inteligentíssimo – que todo mundo adota e repete desde sempre sem ter parado para examiná-lo um segundo sequer. Exemplo de axioma duvidoso: a duração cada vez […]
Poucas coisas são intelectualmente mais refrescantes do que uma ideia sensata e bem-informada que, quando menos se espera, surge na arena para contrariar um axioma duvidoso – mas aparentemente inteligentíssimo – que todo mundo adota e repete desde sempre sem ter parado para examiná-lo um segundo sequer.
Exemplo de axioma duvidoso: a duração cada vez mais curta que os editores imprimem às falas de políticos – e de entrevistados em geral – no noticiário televisivo (sound bites, no jargão jornalístico americano) é tanto sintoma quanto fator de propagação de uma grave doença moderna: o progressivo emburrecimento do debate público, que cada vez mais abre mão da substância para se contentar com a superficialidade das frases de efeito. Em outras palavras, nossos avós eram cidadãos melhores porque tinham um arco de atenção muito maior e uma melhor capacidade de processar questões complexas.
Pois bem: este artigo de Craig Fehrman no jornal “Boston Globe” conta o trabalho de desmistificação dessa “verdade” feito por dois pesquisadores da Universidade de Nevada, David M. Ryfe and Markus Kemmelmeier. O achado da dupla foi descobrir que o encolhimento do espaço de discurso direto dos entrevistados na TV, que foi dramático entre os anos 1960 e 80 e que ainda está em curso, teve um precedente no jornalismo impresso entre o fim do século 19 e o início do 20. Em ambos os casos, veio acompanhado do amadurecimento profissional do meio e teve motivação oposta à que os críticos contemporâneos sugerem: menos liberdade para o discurso direto correspondia a uma visão mais crítica do repórter, em busca de um discurso menos submisso ao blablablá do entrevistado.
Isso não quer dizer, naturalmente, que estejamos no melhor dos mundos: o debate político, foco maior da pesquisa dos professores americanos, anda mesmo – nos EUA, no Brasil e alhures – de uma superficialidade de dar dó. Mas deixar que profissionais da enrolação enrolem o telespectador sem limite de tempo não é uma solução.
Se esta, a solução, parece distante, não representa pouca coisa compreender que viemos dar no atual império mundial das frases de efeito, das tiradas curtas e espetaculosas, da “sabedoria de Twitter”, pelo caminho da inteligência e não da burrice, da crítica e não da acomodação. O que é um nó incômodo, sem dúvida, mas o incômodo de um nó realista é melhor que o conforto de um axioma furado.