‘Marcha à ré’ ou ‘marcha a ré’? Com ou sem crase?
“Caro colunista: há tempo, tenho uma dúvida quanto ao uso ou não do acento indicador de crase antes do substantivo ‘ré’ (dar marcha a ré). Essa dúvida é decorrente do fato de eu observar que aqui e ali a frase aparece com crase, enquanto na maioria das vezes isso não acontece. Que explicação você daria […]

“Caro colunista: há tempo, tenho uma dúvida quanto ao uso ou não do acento indicador de crase antes do substantivo ‘ré’ (dar marcha a ré). Essa dúvida é decorrente do fato de eu observar que aqui e ali a frase aparece com crase, enquanto na maioria das vezes isso não acontece. Que explicação você daria para acabar de vez com minha dúvida?” (Orlando Torres Filho)
O melhor jeito de acabar com sua dúvida é relaxar, Orlando. “Marcha a ré” e “marcha à ré” são formas igualmente corretas, a oscilação entre elas obedecendo a uma questão de uso e não de gramática.
Mas como é possível ambas estarem corretas, se uma tem crase e a outra não? Simples: o substantivo feminino “ré”, um descendente do latim retro nascido no vocabulário náutico com o sentido original de “parte de trás do navio”, pode vir acompanhado ou desacompanhado do artigo definido.
Quando temos o artigo a, este e a preposição a se contraem em “à ré” – em oposição simétrica à também craseada expressão “à frente”.
Ocorre que o artigo pode ser omitido, a exemplo do que se dá com outras expressões náuticas como “a bombordo” e “a estibordo” (e não “ao bombordo” e “ao estibordo”). Neste caso, temos “a ré”.
Consta que em Portugal admitem apenas “à ré” – expressão que não costuma ser empregada em referência à marcha, aliás, preferindo-se “marcha-atrás”.
No Brasil, as preferências se dividem entre “marcha a ré” e “marcha à ré”. O dicionário Houaiss registra apenas a versão sem crase. Francisco Borba, apenas a versão com crase.
O Aurélio resolveu o dilema de forma salomônica. Como anota, implacável, Domingos Paschoal Cegalla no “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa”, em sua edição de 1986 o mais famoso dicionário brasileiro “grafou a expressão sem crase no verbete marcha e com crase no verbete ré”.
Conclui Cegalla, sensatamente: “Ambas as grafias são corretas”. Mesmo tendo o hábito de escrever “marcha à ré”, com crase, sou obrigado a concordar.
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