Mala direta, ‘direct mail’ e outras malices
“Prezado Sérgio, gostaria de saber se procede a lenda de que o termo ‘mala direta’ advém da tradução tosca da expressão em inglês ‘direct mail’. Tremo só de pensar!” (Fernando Abreu Gontijo) Caro Fernando, espero que a tremedeira passe logo, mas não se trata de lenda: é mesmo de uma tradução desajeitada do inglês que […]

“Prezado Sérgio, gostaria de saber se procede a lenda de que o termo ‘mala direta’ advém da tradução tosca da expressão em inglês ‘direct mail’. Tremo só de pensar!” (Fernando Abreu Gontijo)
Caro Fernando, espero que a tremedeira passe logo, mas não se trata de lenda: é mesmo de uma tradução desajeitada do inglês que vem a expressão “mala direta”. De onde mais seria? Quase todo o léxico da publicidade e do marketing que foi sendo acrescentado ao nosso vocabulário ao longo do século 20 tem matriz anglófona, mais precisamente americana – como, aliás, essas próprias atividades. A tecnologia (quase escrevi know-how) vai na frente, as palavras seguem.
Sim, também acho levemente embaraçoso que “mala direta” – que o Houaiss define como “comunicação seletiva de uma empresa com os clientes habituais ou potenciais de seus produtos ou serviços, feita por meio de remessa postal de impressos (folhetos, cartas-circulares, catálogos etc.)” – seja um exemplo de tradução preguiçosa do inglês. Numa versão mais cuidadosa, direct mail deveria ter virado “correio direto” ou “correspondência direta”, não “mala direta”.
Por que não virou? Pode-se apostar em ignorância dos primeiros profissionais que foram expostos à expressão e, no calor da hora, verteram-na para o português. Acho mais provável que a razão não fosse o inglês deficiente daqueles publicitários e sim uma mistura de desleixo, pressa e baixa autoestima linguística.
É fácil encontrar por aí anglicismos semânticos como esse, sobretudo na linguagem dita “corporativa”, aquele patoá meio cômico e meio deprimente em que se unem os vocabulários do RH, da administração de empresas e do marketing. Painel (de panel) com o sentido de “congresso ou junta de especialistas” e planta (de plant) na acepção de “instalação industrial” são só dois deles.
Não há nada que se possa fazer contra isso. Assim caminham as línguas, muitas vezes abraçando pernosticismos, mal-entendidos e cantos de galos de localização indefinida – batatadas que, em duas ou três gerações, costumam perder tal condição e se tornar perfeitamente respeitáveis. Afinal, nosso substantivo mala (de viagem) e o inglês mail (correio) descendem ambos do francês malle, uma palavra que significa mala na França e, por metonímia (basta pensar numa sacola cheia de cartas), correio no Canadá. Também existe em nossa língua a locução “mala postal”, hoje pouco usada.
Em termos etimológicos, portanto, fica tudo em família. Talvez fosse culturalmente pior se, em vez de “mala direta”, aqueles velhos publicitários tivessem adotado direct mail sem tradução, como seria considerado mais chique hoje.
Para encerrar, talvez sirva de consolo pensar que a opção por “mala direta” acarretou um benefício colateral involuntário, mas precioso: folhetos de propaganda que entopem caixas de correio físicas ou virtuais não são, justamente, uma chatice monumental, coisa de gente mala – ou melhor, malíssima?
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