Kadafi, Gaddafi ou coisa parecida
“Nome de ditador líbio pode ser escrito de dezenas de formas”, eis o título de uma pequena reportagem da Folha.com na última quinta-feira. O texto citava um levantamento da rede americana de televisão ABC, segundo o qual circulam pelo mundo 112 maneiras de escrever o nome do coronel Muamar Kadafi. Soou como uma justificativa da […]
“Nome de ditador líbio pode ser escrito de dezenas de formas”, eis o título de uma pequena reportagem da Folha.com na última quinta-feira. O texto citava um levantamento da rede americana de televisão ABC, segundo o qual circulam pelo mundo 112 maneiras de escrever o nome do coronel Muamar Kadafi. Soou como uma justificativa da grafia adotada pela “Folha de S.Paulo”, que deixa o jornal na contramão da maior parte da imprensa brasileira: Gaddafi. Uma opção que no mesmo dia era motivo de gozação no site gaiato “The Piauí Herald”: “Folha chamará prefeito (de São Paulo) de Gassabi”.
A piada é boa, mas a transliteração – transposição de palavras de um alfabeto a outro – nunca foi uma questão simples. A ideia é reproduzir em outro sistema alfabético os sons da língua original, mas isso inclui inúmeras variáveis, inclusive o perfil fonético do idioma receptor (o que faz com que uma transliteração do chinês para o inglês, por exemplo, soe canhestra em português ou espanhol), para não mencionar as formas sancionadas pela tradição.
Em 1979, numa tentativa de acabar com a sopa de letrinhas em que os nomes chineses se transformavam mundo afora, o governo da República Popular da China “oficializou” um sistema de romanização do mandarim, ou seja, de transposição de seus caracteres para o alfabeto latino, chamado Pinyin. Muita gente o adotou, embora esse conversor universal desconsidere as particularidades de cada língua receptora e gere monstros como Guangzhou (Cantão) e Xianggang (Hong-Kong).
O alfabeto árabe não conta com um sistema “oficial” de romanização. Isso faz com que o ditador líbio seja Khadafy no jornal argentino “La Nacion” e no americano “Boston Globe”, Gheddafi no italiano “La Repubblica” e el Gadafi no espanhol “El Pais”. O ingrediente que a “Folha” acrescenta à salada não é original: Gaddafi, sua grafia de eleição, é a mesma empregada pela maioria dos jornais ingleses, como “The Times”, “Financial Times” e “The Guardian”.
Eis o ponto mais controverso dessa batalha de grafias: embora a variedade seja natural, é difícil não ver em “Gaddafi” uma simples importação do inglês quando se levam em conta outras opções de transliteração anglófila do mesmo jornal, como “taleban” (por talibã) e “Muhammad” (por Maomé, esta revogada em 2006).