Juros, o ‘roubo do tempo’
O aumento da taxa Selic, que pegou o mercado de surpresa na quarta-feira, faz de “juros” a Palavra da Semana e me leva a reproduzir abaixo um texto do distante ano de 2008, escrito para a coluna que eu mantinha então na finada “Revista da Semana”, da editora Abril: Mais usada no plural, a palavra […]
O aumento da taxa Selic, que pegou o mercado de surpresa na quarta-feira, faz de “juros” a Palavra da Semana e me leva a reproduzir abaixo um texto do distante ano de 2008, escrito para a coluna que eu mantinha então na finada “Revista da Semana”, da editora Abril:
Mais usada no plural, a palavra juro pertence ao grupo das descendentes do latim jus, juris (direito de propriedade, justiça, documento que estabelece um direito). Mas como os juros chegaram a ser parentes do jurisconsulto, que parece tão distante deles?
A tese mais aceita é a de que o sentido de rendimento gerado pelo próprio dinheiro derivou de um estreitamento semântico. Em outras palavras: o contrato em que o devedor assumia o direito de usar o dinheiro do credor passou a nomear o valor que ele pagava por isso. Simples.
Acontece que a etimologia – como a economia, aliás – nunca foi uma ciência exata. Certos filólogos antigos iam buscar a origem de juro no latim usura, que tem história bem diferente, ligada a usus, uso – neste caso, usufruto do dinheiro alheio. A tese foi abandonada, mas como negar que, mesmo sendo outro o étimo de juro, o sentido de usura o tenha contaminado?
Palavra que também tomou assento no vocabulário do português, usura é um sinônimo de juro em sua acepção básica. O que muda é a conotação, o valor simbólico de cada termo. Juro é neutro – apesar dos esforços do BC no sentido de torná-lo um dos megavilões do capital produtivo. Já a usura tem carga tão negativa que ganhou uma outra acepção, a de ganho financeiro extorsivo, agiotagem. Foi dando aos juros o nome de usura que a Igreja Católica passou boa parte da Idade Média a esconjurá-los, chegando a condenar usurários à morte na fogueira.
Um documento eclesiástico do século XIII, citado pelo historiador francês Jacques Le Goff, é poético ao dizer que “os usurários são ladrões, pois vendem o tempo, que não lhes pertence”. A poesia era rentável: morto o usurário, seus bens eram incorporados ao patrimônio da Igreja.